Enfim, santo
O reconhecimento de José de Anchieta como santo, com dispensa papal da comprovação de um milagre para tanto, foi resultado de um longo processo, como costuma acontecer em trâmites de canonização da Igreja Católica.
Antes, em 1980, ele havia sido reconhecido como beato pelo então papa João Paulo 2º (1920-2005).
"Ele já era beato e teve uma beatificação normal, ou seja, houve a aferição das virtudes heroicas e um milagre que possibilitou a beatificação", relata o hagiólogo Lira. "Em termos gerais, Anchieta sempre foi considerado santo."
"Sua obra catequética é fundamental na formação do Brasil Católico, além da importância educacional e da fundação da nossa maior metrópole, São Paulo. Ele foi canonizado sem a presença do segundo milagre. Havia vários pedidos nesse sentido, incluindo da própria CNBB [a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil]."
Canonizar sem milagre não é uma prática comum. No pontificado de João Paulo 2º, isto ocorreu apenas três vezes. Já Bento 16 (1927-2022) lançou mão do procedimento somente uma vez.
"No caso do padre José de Anchieta, após os estudos necessários e, principalmente, considerando a sua fama de santidade, num processo de canonização de mais de 400 anos, o papa Francisco assinou o decreto de canonização por equipolência no dia 3 de abril de 2014", comenta Lira.
Em conversa com a BBC News Brasil, o vaticanista Filipe Domingues, diretor do Lay Centre, em Roma, e professor na Pontifícia Universidade Gregoriana, também em Roma, explica que o processo de canonização é apenas um "reconhecimento da Igreja" para uma pessoa que teria virtudes suficientes para ser considerada santa. Nesse sentido, diz ele, muitos e muitos santos devem ter existido sem nunca terem a chancela do Vaticano.
"Nos casos em que há uma notoriedade, a Igreja pode assinar embaixo, por meio de um decreto e de um reconhecimento público", explica ela, sobre o processo formal de canonização. Por norma, o trâmite depende do reconhecimento de um milagre para a beatificação e de um segundo para a canonização. Este processo foi aperfeiçoado ao longo da história para evitar abusos", contextualiza o vaticanista.
"Só que o papa sempre tem a prerrogativa de abrir exceções, para tudo na Igreja. Em sua visão, era possível canonizar Anchieta sem um segundo milagre porque ele achou que já havia evidências suficientes para que esse personagem fosse reconhecido como santo", afirma Domingues.
Na visão do hagiólogo Lira, o gesto de Francisco não representou "apenas a vontade papal", mas foi a conclusão "de um processo".
"É claro que a última palavra é do santo padre após os procedimentos preparados pelo Dicastério das Causas dos Santos.
Mesmo que para uma canonização equipolente os cardeais e os bispos que atuam no Dicastério das Causas dos Santos são consultados e o que perdura é sua fama de santidade, suas virtudes heroicas e sua dedicação à causa do reino de Deus.
Assim, o papa Francisco reconheceu sua santidade", explica. Há uma coincidência. Francisco, assim como Anchieta, é jesuíta — o primeiro papa jesuíta da história.
Mas a santidade popular de Anchieta remonta aos tempos em que ele vivia. Como conta Maróstica, quando o jesuíta vivia no Brasil a Companhia de Jesus solicitou à igreja de sua cidadezinha natal informações sobre seu batismo. Então foi acrescentada uma observação na mesma folha que tem o seu registro. "José atualmente mora no Brasil, é religioso, tem fama de santo e é chamado de apóstolo do Brasil", conta o padre.
"Levou uma vida de santidade", enaltece. "Temos inúmeros relatos de milagres que ele realizou em vida." Segundo Maróstica, há uma história de que, poucos dias antes da morte de Anchieta, ele teria curado um indígena que não conseguia mais andar.
O processo de canonização de Anchieta começou logo após sua morte. Em 1636 ele já era reconhecido como venerável.
"Papa Francisco, que conhecia a história de Anchieta, achou que não era mais necessário comprovar as virtudes e a santidade dele. Assim, ele usou o costume do Vaticano de canonizar por equipolência, ou seja, ele foi declarado santo sem precisar apresentar um milagre: todas as suas virtudes e todos os milagres realizados antes e depois de sua morte são considerados válidos para declará-lo santo", explica.
FONTE: BBC NEWS BRASIL