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domingo, 16 de fevereiro de 2020

CONHEÇA OS GRUPOS MARGINALIZADOS QUE DIFUNDIRAM A TATUAGEM NO BRASIL

Nesta foto de 1939, os dois temas mais recorrentes da tatuagem brasileira: religiosidade e afeto DIVULGAÇÃO – EDITORA VENETA

Corria o ano de 1976. Em plena madrugada, dois jovens cariocas perambulavam pela zona portuária de Santos, no litoral paulista. Ainda sob efeito dos drinques consumidos nos bares da região, decidiram atravessar a porta da loja de tatuagens. O dono, sujeito forte e calvo, de cabelos louros e pele bem clara, puxou conversa.

Chamava-se Knud Gregersen e era dinamarquês. Na pele de um daqueles rapazes, traçou um sol estilizado. Diversas solicitações interromperam o serviço: uma prostituta erguia a saia, exigindo que lhe fizesse um coração no traseiro; próximos à entrada, marujos filipinos iam se aglomerando em filas.

Gregersen se exasperou. Temia passar o resto da noite desenhando baleias. O mamífero aquático, afinal de contas, era mascote do Santos Futebol Clube, time que revelou Pelé. 

De tempos em tempos, marinheiros das mais variadas nacionalidades davam as caras no estabelecimento, decididos a homenagear o jogador. Daquela vez, resmungou Gregersen, não seria diferente. Ele contava quase cinco décadas de vida e sabia do que estava falando.

Com o pai, aprendera o básico do ofício. Terminada a Segunda Guerra, mudou-se para Hamburgo e teve aulas com Christian Warlich, um dos mais importantes tatuadores da Alemanha. Depois, na companhia de um cachorro, deu a volta ao mundo. 

Tatuou na Austrália e boa parte da Europa Ocidental. Atendeu marujos nas Ilhas Canárias e trabalhou em feiras do continente africano. Contornou a Argentina, o Uruguai, e acabou se apaixonando pelo Brasil.

Em 1959, desembarcou no porto de Santos e logo abriu um ateliê. Trazia consigo um artefato até então desconhecido por aqui — uma máquina elétrica, própria para tatuagens.

Tornava-se assim o primeiro (e, por muito tempo, o único) tatuador a possuir um estabelecimento do gênero no país. Sob o pseudônimo de Lucky Tattoo, angariou fama nacional nos anos 1960. 

Quando morreu, vitimado por um ataque cardíaco em 1983, já havia se convertido em figura de culto entre adeptos das artes corporais. Hoje, seu nome desponta como elo fundamental entre o passado e o presente da tatuagem brasileira.
O dinamarquês Knud Gregersen, conhecido como Lucky Tattoo, chegou ao Brasil em 1959 DIVULGAÇÃO – EDITORA VENETA

"A tatuagem se desenvolvia em lugares de confinamento, como navios, quartéis e prisões", explica Silvana Jeha, doutora em História Social pela PUC-Rio. "Por outro lado, ela também aparecia na praça pública, na rua, no bar. Não existiam estúdios de tatuagem. Até então, o tatuador era um cara qualquer, que desenhava ali na esquina."

O repertório iconográfico pouco diferia do atual. Há cem anos, a pele dos tatuados já ostentava âncoras, animais, mulheres nuas, símbolos políticos ou religiosos, personagens de histórias em quadrinhos, nomes e iniciais de pessoas queridas. Os traços, porém, evidenciavam certo amadorismo, ligado a uma prática quase ritualística, infinitamente mais bruta e perigosa que os procedimentos de hoje em dia.

Agulhas, espinhos e cacos de vidro eram alguns dos apetrechos utilizados na feitura dos desenhos. Cinzas de cigarro, graxa de sapato, carvão vegetal, fuligem e nanquim compunham fórmulas de pigmentos improvisados. Aos arrependidos, sobravam métodos de remoção igualmente dolorosos, baseados em queimaduras de ácido ou de castanha de caju.

"A tatuagem era uma prática horizontalizada e sofreu enorme discriminação. Perdemos o fio dessa meada e só retomamos muito tempo depois, via cultura pop", afirma Jeha, que pesquisou o tema por mais de cinco anos.

No livro Uma História da Tatuagem no Brasil, publicado no final de 2019 pela editora Veneta, a historiadora compartilha suas descobertas e analisa as transformações sofridas por essa arte entre a primeira metade do século 19, período em que se firma como cultura popular urbana, e meados da década de 1970, quando cai no gosto da classe média.

Imaginário

"O livro é filho do meu doutorado", diz. A tese que defendeu em 2011 versa sobre a Marinha Imperial brasileira e as contribuições de seus recrutas para o desenvolvimento de uma cultura cosmopolita no país. "Eu entrei nessa onda do marinheiro ser um tipo meio extraordinário e mítico", afirma.

Um livro de registros da fragata de guerra Imperatriz, contendo informações sobre 900 marujos, ganhou espaço na tese. Trata-se do documento mais antigo que a autora já encontrou acerca da presença de tatuados no Brasil.

Os tripulantes que embarcaram no navio entre 1833 e 1835 foram catalogados em função de seus atributos físicos — altura, cor dos olhos e da pele, cicatrizes, formato da cabeça e, vez ou outra, desenhos descritos como "marcas" ou "sinais". A palavra "tatuagem" surgiria apenas algumas décadas depois.
Mickey Mouse, icônico personagem de Walt Disney, tatuado nos braços de um marinheiro paulista na década de 1930 DIVULGAÇÃO – EDITORA VENETA

Intrigada, a historiadora decidiu iniciar uma pesquisa sobre o tema. "Eu não sabia muito bem como isso funcionava socialmente. Aliás, acho que quase ninguém sabia", diz. "Há um imaginário de que tatuagem era apenas coisa de marinheiros, bandidos e putas. Mas não foi bem assim."

A pesquisa, financiada pela Biblioteca Nacional, se apoiou em duas fontes principais: a coleção de jornais da instituição e o acervo do Museu Penitenciário Paulista, que abriga 2.600 fotografias de detentos do Carandiru, tiradas entre as décadas de 1920 e 1940.

Muitos desses indivíduos, ressalta Jeha, já chegaram tatuados ao complexo penitenciário. "É preciso entender que essas pessoas tiveram uma existência anterior à cadeia", diz. "Elas trabalharam, andaram pelo mundo, e, depois de presas, reafirmaram seu domínio sobre a única coisa que ainda tinham — o corpo."

Cruzando informações de seus prontuários com textos encontrados nas páginas dos jornais, a autora pôde mapear os principais grupos envolvidos na difusão da tatuagem no Brasil e entender como foram vistos pela sociedade da época.

Os marinheiros, como esperado, marcavam forte presença. "Os marujos não são necessariamente os pioneiros da tatuagem dita ocidental", esclarece a historiadora. "Mas foram eles que espalharam essa cultura pelo mundo."

Eram sujeitos como Joaquim, que, tentando driblar uma rotina de castigos físicos, tatuou um crucifixo nas costas e a imagem de Cristo no peito. Segundo relatos de 1904, os capatazes do navio temiam agredi-lo — acreditavam que os golpes feriam Jesus.

Ou como o idoso que, à beira da morte num leito de hospital, narrou a Jeha a origem da frase "Amor à Cuba", que trazia inscrita na mão. Por dois meses, seu navio permanecera atracado na ilha. Enquanto a embarcação sofria reparos, o tripulante saiu, dançou salsa e conheceu Fidel Castro. 

A tatuagem, garantiu o marinheiro à pesquisadora, seria uma "lembrança daqueles dias maravilhosos".
Ariosto, detento do Carandiru, tinha na coxa o desenho de uma mulher nua. Ele fez a tatuagem em casa, no ano de 1934 DIVULGAÇÃO – EDITORA VENETA

Já nas páginas dos tabloides, manchetes sanguinolentas davam testemunho dos supostos vínculos entre a tatuagem e a criminalidade: "Tatuado no assalto ao armazém"; "Dois tatuados e um bicheiro assassinados a bala e faca"; "Massacre do homem tatuado só poupou um bebê"; "Jovem tatuado agonizava na rua com três rombos de bala na cabeça".

Tangenciando ambos os universos, reportagens sobre prostituição documentavam as trajetórias erráticas de mulheres que transgrediam as normas de seu tempo.

A alagoana Beatriz Barbosa, por exemplo, pautou dezenas de textos jornalísticos entre 1919 e 1948. Suas andanças pelo Rio de Janeiro, então capital federal, costumavam terminar em delegacias e faziam as delícias do noticiário sensacionalista. Foi presa mais de vinte vezes, sempre por delitos menores: furtos, brigas, bebedeiras, vadiagem, meretrício. Viciada em cocaína, chegou a ser descrita como "recordista de entradas na detenção e campeã de tatuagens".

Fervor e pertencimento

Nem só de mar, crime e sexo pago viviam os tatuados nos grandes centros urbanos. Militares de baixa patente, trabalhadores braçais, artistas circenses, imigrantes e degredados também ostentavam desenhos no corpo.

Muitos soldados se tatuavam com bandeiras nacionais, siglas de batalhões, slogans ufanistas e emblemas patrióticos em geral. Outros, porém, escolhiam símbolos e imagens não vinculadas às questões bélicas.

O praça Marcelino Bispo de Mello era um deles: possuía estrelas de cinco pontas tatuadas no peito, cotovelo e braço. Em novembro de 1897, ele assassinou o marechal Carlos Machado de Bittencourt, ministro da Guerra, num atentado contra Prudente de Morais, presidente da República. 

Os desenhos foram constatados no exame de corpo de delito e citados pela imprensa em janeiro do ano seguinte, após Marcelino cometer suicídio na cadeia, enforcando-se com um lençol.
José, um estivador português, tatuou no braço a frase 'Tudo por São Paulo', lema da Revolução Constitucionalista de 1932, mas errou a data do levante, que teve início no dia 9 de julho daquele ano DIVULGAÇÃO – EDITORA VENETA

Não foi o único momento de turbulência a contar com a participação de tatuados: os levantes tenentistas da década de 1920, bem como as revoluções de 1930 e 1932, estimularam diversos trabalhadores a expressarem na pele suas convicções políticas. Outros perderam a vida, tendo seus corpos reconhecidos a partir das tatuagens que carregavam.

O marceneiro Manoel Moreira da Costa, vulgo Costeleta, foi preso, torturado e morto em outubro de 1931, ao se manifestar contra o governo que Getúlio Vargas instituira no ano anterior. Seu cadáver degolado, disposto numa linha de trem em Recife, foi identificado pela mãe e pela namorada graças a uma inscrição contendo o nome de uma terceira mulher — Adélia. Também movido pelo repúdio ao getulismo, o estivador José tatuaria no braço a frase "Tudo por São Paulo", lema do movimento constitucionalista de 1932.

Na outra ponta, alheios ao caos social e imersos em exotismo escapista, profissionais de freak shows empreendiam turnês internacionais que incluíam os circos, cinemas e teatros das cidades brasileiras. Em 1890, o greco-albanês George Costentenus, um dos mais célebres artistas itinerantes do século 19, chegou a participar de espetáculos em São Paulo e no Rio de Janeiro. Às plateias, exibia seu corpo inteiramente tatuado e narrava as aventuras mirabolantes que teria vivido ao redor do globo.

Trajetórias tão diversas, relata Jeha, transformaram radicalmente o seu olhar sobre o tema, culminando num processo de autoconhecimento. "Eu fiquei muito fascinada. Enquanto historiadora, sempre estive acostumada a estudar o outro", diz. 

"E, de repente, descobri que meus antepassados se tatuavam."
Retrato do greco-albanês George Costentenus, artista circense que rodou o mundo exibindo seu corpo tatuado DIVULGAÇÃO – EDITORA VENETA

A pesquisadora, descendente de libaneses, soube que o avô de um primo possuía uma cruz tatuada na mão. O desenho cumpria um objetivo específico, confirmado por fotografias e depoimentos de patrícios: impossibilitar a negação da fé cristã em eventuais embates contra muçulmanos.

"Há algo de emotivo, um sentimento incrível de saber que essa cultura também pertence a mim", diz. "Depois, fui percebendo que ela pertence a todo mundo que vive aqui. Portugueses, italianos, japoneses, alemães, indígenas, africanos."

Se existe algum vínculo a unir todas essas pessoas, afirma Jeha, trata-se do terreno por onde elas se movem — uma tênue e ambígua fronteira entre as dimensões do erótico e do sagrado.

"Embora se mostre tão escancarada atualmente, a tatuagem sempre foi algo muito íntimo. As mulheres tatuavam muito os seios, alguns homens chegavam ao extremo de tatuar o pênis", explica. "É uma prática relacionada ao fervor e às paixões. 

O nome da pessoa que você ama, os símbolos da sua religião, o time para o qual você torce."

Um sinal de suspeição

Para além dos registros policiais e jornalísticos, o universo literário forneceu pistas igualmente valiosas à historiadora. 

Nos escritos de Jorge Amado, Mário de Andrade, Guimarães Rosa, Plínio Marcos e João do Rio, ou até mesmo do americano Herman Melville, Silvana Jeha encontrou dezenas de referências aos tatuados brasileiros.
Adib, imigrante sírio-libanês, teve a mão tatuada com uma pequena cruz quando criança. Imigrantes de diversas nacionalidades contribuíram para o desenvolvimento da tatuagem brasileira DIVULGAÇÃO – EDITORA VENETA

"A literatura é o retrato de uma época", diz. "Acredito que os escritores possuem uma sensibilidade maior. Boa parte deles via a tatuagem com muita curiosidade, como uma cultura dotada de beleza própria. Eram muito mais atentos às nuances, se comparados aos demais narradores."

Machado de Assis, o mais antigo escritor brasileiro a ser analisado pela pesquisadora, já descrevia tatuagens na novela O Alienista, de 1882. Em certo trecho da obra, protagonizada por um médico que inaugura um manicômio e se afunda na própria insanidade, o romancista carioca menciona brevemente uma estrela de cinco pontas "impressa no braço" de um personagem secundário.

Treze anos depois, Manuel de Souza, imigrante português preso sob acusação de homicídio, seria retirado da delegacia onde cumpria pena e utilizado como modelo vivo numa aula da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Na ocasião, o professor Souza Lima, precursor da medicina legal no Brasil, expôs aos alunos as tatuagens do acusado. 

Baseando-se nelas, emitiu seu veredicto: ainda que não tivesse cometido crime algum, Manuel deveria ser tratado como um suspeito em potencial.
Lauro, detento do Carandiru, tatuou no peito um coração trespassado por um punhal e o nome de sua amada DIVULGAÇÃO – EDITORA VENETA

Machado de Assis, então, retornou ao tema. Em crônica publicada pela Gazeta de Notícias no dia 23 de julho de 1895, disse: "Foram as tatuagens do corpo do homem que me deslumbraram. 

As tatuagens são todas ou quase todas amorosas. Braços e peitos estão marcados de nomes de mulheres e de símbolos de amor".

Por fim, o escritor lançava um questionamento: como poderia "um homem tão dado a amores, que os escrevia em si mesmo", ser também um assassino?

Jeha explica: "Nosso país sempre esbarrou em questões de classe e raça. Os cidadãos são discriminados pela cor, pela aparência, pela posição social. E a tatuagem, no contexto daquela época, se destacava como um sinal de suspeição. Era algo literalmente marcado na pele."

A sorte que o Brasil do século 20 reservou aos seus tatuados não foi muito melhor.

Na década de 1930, um trabalhador rural baiano, identificado apenas pelas iniciais J.R.B., tentaria a todo custo remover os desenhos que carregava na pele. Alegava que teriam lhe trazido "pinta de malandro".

O sambista carioca Guilherme de Brito, parceiro de Nélson Cavaquinho, também se arrependeria de uma tatuagem feita na juventude — um índio, traçado no braço por um morador da favela do Tuiuti.

Pelo resto da vida, o músico esconderia o membro tatuado — temendo represálias, nunca mais vestiu uma camisa de manga curta.

Feminicídios e execuções policiais foram o destino final de alguns tatuados, mas o livro nem sempre expõe as circunstâncias de suas mortes.

"Tentei descriminalizar a tatuagem", explica a autora.

"Se o cara pertencia a uma escola de samba e torcia para um time de futebol, por que me referir a ele como o sujeito assassinado pelo Esquadrão da Morte? Os jornais costumam criar admiração e fascínio mórbido por notícias de crime, quando isso não passa de uma doença social."

AUTOR: BBC

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

CHINA E JAPÃO: O MASSACRE DE NANQUIM 30 DIAS DE TERROR

Não é nenhuma surpresa para as pessoas a rivalidade e o ódio interináveis que ainda prevalecem entre China e Japão. Mas de onde vêm e por qual motivo?

Ao longo de um extenso histórico de guerras, invasões e acontecimentos bárbaros nos quais ambas as nações se envolveram, a revolta do povo chinês é com o fato de que os japoneses preferiram fechar os olhos para tudo o que fizeram, chegando a passar uma borracha, queimar e atenuar os eventos de seus livros históricos só para preservarem a imagem que gostariam de apresentar para o mundo e para as gerações futuras.

De tudo o que já aconteceu, um dos episódios que representa o nível mais dantesco e perca de humanidade da História e que até hoje o Japão contesta e omite a sua veracidade ficou conhecido como O Massacre de Nanquim, também referido como O Estupro de Nanquim.

Antes da queda
(Fonte: Reconciliations of Nation/Reprodução)

Em 1937, o conflito entre soldados japoneses e chineses num dos acontecimentos denominado como O Incidente na Ponte de Marco Polo, foi o pretexto necessário para que o Japão colocasse em prática os seus projetos expansionistas. 

Valendo-se do estado de vulnerabilidade em que a China estava por conta da guerra civil das forças nacionalistas, o império do Sol Nascente deu início a uma invasão agressiva e em larga escala que foi fulminante.

Apesar de inferiores em equipamentos e treinamento, Xangai resistiu bastante durante os ataques até que tivesse a sua queda oficial decretada em novembro do mesmo ano, depois de um cerco sangrento realizado pelo Japão. 

Com o avanço mortal das tropas nipônicas, milhares de civis e soldados chineses recuaram para a cidade-capital de Nanquim, que também pereceu em poucos dias, incapaz de ser párea aos bombardeamentos e o apoio aéreo dos japoneses.

No dia 13 de dezembro de 1937, um horror imparável teve início.

A marcha da morte
(Fonte: This Day In History/Reprodução)

Naquela segunda-feira do dia 13 de dezembro, às 5h da madrugada, os 300 mil soldados que compunham o exército japonês comandado por Asaka Yasuhiko, avançaram contra 500 mil pessoas que não haviam conseguido escapar de Nanquim.

Não houve distinção de quem era do esquadrão chinês ou quem era apenas civil. Os japoneses foram fuzilando todos os que encontravam pelo caminho. Nas Montanhas Wudang, cerca de 57 mil pessoas foram executadas a queima roupa. Os soldados invadiram casas, arrastaram famílias para fora e as assassinaram indiscriminadamente.

Homens foram pendurados, degolados e estripados para que sangrassem até a morte em varais que lotaram as ruas da cidade-capital. Desesperados, muitos dos cidadãos que tentaram escapar pelas águas traiçoeiras do rio Yangtse, não venceram a correnteza e se afogaram, tendo os seus corpos empilhados às margens. Todos os cadáveres eram lavados com óleo ou querosene e incendiados, erguendo uma nuvem fétida e preta nos céus de Nanquim.

Haviam competições bárbaras de homicídio entre os guerrilheiros, como a exposta pelo Japan Adviser, que confirmou que os suboficiais Mukai e Noda, apostavam qual deles alcançaria a primeira centena de cabeças decepadas em apenas um dia de massacre. Um deles atingiu a margem de 106 e o outro de 105. 

Todas as vítimas eram civis.
(Fonte: The Nanking Massacre/Reprodução)

Ao longo de todo o massacre, milhares de soldados e civis chineses foram arrastados para grandes covas onde foram mortos, jogados lá e enterrados. A maior das sepulturas ficou conhecida como A Vala dos Dez Mil Cadáveres, embora estima-se que naquele buraco de cinco metros de largura e 300 metros de comprimentos, tenham sido colocados mais ou menos 12 mil corpos.

Em 10 minutos, batalhões de homens armados executavam 200 pessoas que faziam filas enormes à espera pela morte. Se não eram aniquiladas ali mesmo, os soldados simplesmente a forçavam a cavar as próprias sepulturas e depois as enterravam vivas.

O corrompimento das mulheres
(Fonte: Warfare History Network/Reprodução)

As mulheres chinesas foram submetidas aos piores horrores durante os 30 dias que sucederam a invasão à cidade. Estima-se que por volta de 80 mil delas foram estupradas pelas ruas, em suas casas ou dentro das bases montadas pelo exército. 

Antes de matar ou violentá-las, muitas delas tinham suas vaginas penetradas com baionetas, varas de bambu, facas e outros objetos. Milhares delas foram mantidas como escravas sexuais que serviam os japoneses dia e noite.

Numa espécie de campo de contenção para mulheres onde continham cerca de 200 a 300 soldados, eles as despiam, estimulavam as práticas de incesto quando estavam acompanhadas por suas filhas, e as estupravam em coletivo. 

Faziam o mesmo com crianças e jovens. As grávidas eram esfaqueadas na barriga, tinham os seios arrancados e milhares eram pregadas nas paredes como que crucificadas e deixadas para morrer, isso quando não eram fuziladas.

Os filhos de Nanquim
(Fonte: Timetoast/Reprodução)

A população chinesa foi forçada a testemunhar a total falta de humanidade e misericórdia quando nem mesmo as crianças foram poupadas. Os pelotões sanguinários de oficiais empilhavam os corpos de centenas de crianças e ateavam fogo nelas enquanto vivas. 

Muitos foram espancados até serem mutilados, perderem a visão e os movimentos físicos. Eram baleados, esfaqueados em frente de suas próprias mães. Gangues de japoneses arrancavam os bebês das mulheres, os jogavam para o ar e tentavam perfurá-los com as baionetas, numa espécie de esporte maligno e doentio.

Existem relatos de que garotos eram explodidos com granadas ou feitos de bomba-relógio e também lançados dentro de cubas com água ou óleo fervente diante de suas famílias antes de serem executadas.

Fogo, fumaça e escombros
(Fonte: Warmap/Reprodução)

Até o fim de fevereiro de 1938, a cidade de Naquim teve um terço de sua composição reduzida a cinzas. Milhares de casas, aldeias e prédios foram incendiados durante todos os dias de invasão. As estradas também tiveram o mesmo destino que quase todos os distritos comerciais mais importantes da cidade.

Uma vez um dos centros industriais mais prósperos e crescentes de toda a China, Nanquim levou décadas para se recuperar da destruição física causada pelos japoneses, enquanto socialmente jamais se reergueu. 

Por volta de 300 mil chineses foram brutalmente exterminados pelas tropas, entre soldados e civis. E, apesar de tudo, até hoje o Japão dá a outra face diante os eventos, alegando que os números e os fatos foram manipulados ou aumentados, sendo que nunca mostraram ao mundo a maioria de seus documentos da guerra.

Passados 83 anos do massacre, o ressentimento da China ainda permanece em seus elos políticos, tão vermelho quanto a sua bandeira.

AUTOR: MEGACURIOSO

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

CONHEÇA A HISTÓRIA DO "AÇOUGUEIRO" SANGUINÁRIO QUE VENDIA A CARNE DE SUAS VÍTIMAS

Após permanecer 89 anos conservada em um jarro com formaldeído, a cabeça do Açougueiro de Hannover ou, melhor, do Vampiro de Hannover, foi cremada pelo departamento médico da Universidade de Goetting, na Alemanha, em 24 de janeiro de 2015. O Açougueiro de Hannover foi decapitado em 1925.

O açougueiro perdeu a vida em uma guilhotina, após ter sido considerado responsável pelo assassinato de 24 pessoas, entre os anos de 1918 e 1924. As autoridade, na época, acharam interessante conservar a cabeça, em um jarro, para que futuramente pesquisas relacionadas a assassinos em série pudessem ser feitas.

Fritz Haarmann, o Açougueiro de Hannover

Haarmann cresceu em meio a uma família desestruturada. A mãe do açougueiro, além de alcoólatra, tinha problemas psicológicos. Por não ter uma mente saudável, muitas vezes, vestia Haarmann como se fosse uma menina. 

O pai, quando chegava em casa, e encontrava o próprio filho trajando roupas de mulher, o agredia.

Haarmann tinha cinco irmãs, era o único homem. A rotina que a família desestruturada levava fez com que suas cinco irmãs se tornassem prostitutas. Até completar 16 anos, Haarmann ficou com os pais. Quando completou 17 anos, ele foi enviado pela família a um colégio militar.

Ali, depois de três anos, começou a sofrer crises de epilepsia. Por motivo de doença, acabou sendo dispensado. Em 1898, Haarmann retorna à Hannover. Instalado, começa, então, a trabalhar em uma fábrica de charutos. No mesmo ano, Haarmann comete seu primeiro crime. Molesta uma criança.

Após julgamento, é enviado a um hospital psiquiátrico. Com exatos seis meses de internação, consegue fugir da instituição. Livre, Haarmann se muda para Suíça e só retorna à Alemanha, dois anos depois.

Com um nome falso, tenta ingressar no exército e, anos depois, pelos mesmos motivos, é dispensado novamente, mas, dessa vez, recebendo uma pensão militar integral. Nesse ínterim, começa a trabalhar no açougue da família.

Com pouco tempo de empresa, Haarmann se envolve em uma briga com o pai. Acusado de tentativa de homicídio, é enviado novamente a uma clínica psiquiátrica.
Vampiro de Hannover
Dez anos depois, o açougueiro é declarado mentalmente estável e, novamente, ganha a liberdade. É quando volta às ruas que o açougueiro se torna um criminoso. Passa a ser constantemente preso e a cumprir pequenas penas. Algumas, por assalto, outras por estelionato.

Em 1918, com o fim da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha começa a passar por dificuldades e a viver um período de escassez. Haarmann, nesse mesmo momento, está, mais uma vez, em liberdade e, claro, desempregado. Mesmo assim, toma sob sua tutela o jovem Hans Grans, de 17 anos, que viria a se tornar seu amante e cúmplice.

Foi com ajuda de Grans, que ele passou a matar. Além de matar, também roubava as vítimas. Nesse momento, o açougueiro já havia tomado gosto pelo assassinato. Tendo seu amante como braço direito, o açougueiro prometia comida e abrigo a jovens, com tendências homossexuais.

Haarmann os atraía até sua casa, que era localizada à margem do rio Leine. No sótão, violava os garotos e, ao final, os matava com mordidas na carótida e na traqueia. Com a ajuda de Grans, o açougueiro desmembrava as vítimas. O motivo? Ele queria vender a carne. Haarmann vendia as peças por altos preços, sob o disfarce de serem finas costeletas de porco.

Em 1924, enquanto brincavam nas margens do rio Leine, jovens encontraram um crânio. Após investigações, as autoridades encontraram no local incontáveis restos humanos. O cerco, obviamente, se estreitou. Haarmann, devido a seu histórico criminal, tornou-se o principal suspeito.

As autoridades, para se certificar, armaram uma emboscada. O açougueiro foi flagrado em pleno ato sexual com uma vítima. Sem outra alternativa, confessou seus crimes. Haarmann vendeu a carne de cerca de 40 meninos. Em contrapartida, estima-se que o número seja entre 50 e 70, sendo todos de jovens.

AUTOR: IG/FATOS DESCONHECIDOS

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

PROTESTOS NA AMÉRICA DO SUL: ENTENDA O PORQUE?, E AS CRISES POLÍTICAS

América do Sul em turbulência G1/GLOBO

A América do Sul vive um ano de manifestações de rua, confrontos, distúrbios e crises políticas: Chile, Bolívia, Equador, Venezuela, Paraguai, Peru e Argentina tiveram protestos em massa e crises políticas que balançaram seus governos ou, pelo menos, os deixaram bastante abalados.

Em alguns deles, como Chile e Venezuela, houve confrontos e mortes.
Manifestante atira coquetel molotov contra forças de segurança nesta sexta-feira (11), novo dia de protestos no Equador Foto: Ivan Alvarado/Reuters

Em cada um dos países houve um motivo específico que desencadeou o início dos distúrbios, e em nenhum deles, houve troca de presidente.

Veja abaixo como foram as crises políticas e atos de rua em 2019:
Mapa mostra protestos e confrontos políticos na América do Sul Foto: Infográfico: Roberta Jaworski

Bolívia
Manifestantes protestam contra a divulgação de resultados antecipados que diziam que Evo Morales teria ganhado em primeiro turno as eleições presidenciais na Bolívia, em La Paz, na terça-feira (22) Foto: Reuters/David Mercado

O país começou a ter protestos depois que a apuração das eleições presidenciais, que inicialmente apontava um segundo turno, passou a indicar mais uma reeleição de Evo Morales, a quarta em seguida. Os partidários do segundo colocado, Carlos Mesa, tomaram as ruas em protesto. Eles denunciam uma suposta fraude. Houve confrontos em Sucre, Oruro, Cochabamba e La Paz, entre outras cidades. Morales qualificou os atos como um golpe e decretou estado de emergência.
Chile
Praça Itália em Santiago, no Chile, tomada por manifestantes na tarde de terça-feira (22) Foto: Esteban Felix/AP Photo

A mais recente onda de protestos violentos teve início no Chile na sexta-feira (19), após dias de manifestações menores. Após um aumento de 30 pesos (equivalente a R$ 0,17) no preço das tarifas do metrô de Santiago, milhares de pessoas derrubaram portões, quebraram catracas e passaram sem bilhete pelos controles de acesso. A polícia revidou com bombas de gás lacrimogêneo. Os protestos tiveram uma escalada com saques e depredações em várias cidades do país. No sábado, o governo decretou Estado de Emergência por 15 dias e o exército foi às ruas pela primeira vez desde a ditadura de Augusto Pinochet. O presidente Sebastian Piñera suspendeu o aumento da tarifa do metrô, mas os protestos continuam. Mais de 1.400 pessoas foram detidas e 18 morreram em decorrência dos distúrbios.

Equador
Mulheres participam de marcha em Quito, no Equador, neste sábado (12) Foto: Daniel Tapia/Reuters

O país enfrentou em outubro 11 dias de violentos protestos e estradas bloqueadas depois que o presidente Lenín Moreno anunciou o fim de um subsídio aos combustíveis que já durava 40 anos, causando um aumento de até 123% nos preços, parte de um pacote de ajustes para cumprir metas acertadas com o FMI. Em reação às primeiras manifestações, o governo decretou "estado de exceção" e, posteriormente, transferiu a sede do governo de Quito para a cidade costeira de Guayaquil. Mas as medidas não contiveram as manifestações. Os distúrbios deixaram sete mortos, 1.340 feridos e 1.152 presos, segundo a Defensoria Pública. No dia 14 de outubro, o presidente, após se reunir com lideranças indígenas, anunciou que iria revogar a medida que cortava o subsídio.

Venezuela
Juan Guaidó fala com megafone a multidão de cima de um carro em Caracas, após convocar o povo às ruas contra Maduro Foto: Carlos Garcia Rawlins/Reuters
A Venezuela vive uma recessão e inflação há anos, e há uma saída em massa da população do país por causa da pobreza e falta generalizada de produtos. O líder da oposição, Juan Guaidó, se autoproclamou presidente em janeiro e mobilizou opositores. No fim de abril, ele tentou organizar um levante para derrubar o presidente Nicolás Maduro. Alguns militares aderiram, mas a maioria dos membros das forças armadas permaneceram fiéis ao regime chavista. Houve confrontos violentos em Caracas, e ao menos cinco pessoas morreram, de acordo com levantamento da ONU. As mobilizações posteriores foram mais fracas.

Argentina
Manifestantes exibem faixa pedindo emergência alimentar em frente ao Congresso, em Buenos Aires, na Argentina, no dia 4 de setembro Foto: AP Photo/Natacha Pisarenko

Em setembro, integrantes de movimentos sociais da Argentina protestaram em Buenos Aires para exigir que o presidente Mauricio Macri declarasse emergência alimentar para combater pobreza. A Igreja Católica reforçou o pedido. O Congresso aprovou, por unanimidade, um projeto de lei alimentar de emergência para permitir maiores recursos aos programas sociais. A pobreza na Argentina aumentou de 32,0% para 35,4% no primeiro semestre deste ano, o nível mais alto desde o colapso da economia em 2001. O país terá eleição presidencial esta semana e, sem conseguir uma retomada da economia, Macri dificilmente se reelegrá.

Peru
Manifestantes comemoram em Lima, capital do Peru, o fechamento do Congresso anunciado por Martín Vizcarra nesta segunda-feira (30) Foto: Guadalupe Pardo/Reuters

No fim de setembro, o presidente do Peru, Martín Vizcarra, após uma derrota no Congresso, resolveu dissolver a legislatura e convocou novas eleições -- o que a lei lhe permite. Em resposta, os congressistas chegaram a votar uma suspensão do líder executivo e nomearam a vice, a parlamentar Mercedes Aráoz, para ocupar seu cargo. Ela, entretanto, renunciou ao posto, e Vizcarra permaneceu no posto. Manifestantes apoiaram a decisão de fechar o Congresso, em meio à crise de credibilidade da classe política por causa do escândalo ligado à Odebrecht no país.

Paraguai
Protesto dia 27 de agosto em Assunção, capital do Paraguai, contra o presidente Mario Abdo Benítez Foto: Norberto Duarte/AFP

O governo assinou com o Brasil um documento em que se comprometia a comprar energia mais cara do que o habitual da Usina de Itaipu, que pertence aos dois países. Em decorrência disso, em agosto, o Paraguai mergulhou numa crise política, funcionários em cargos importantes caíram e o presidente Mario Abdo ficou ameaçado de ser submetido a um processo de impeachment. Houve manifestações pelo país, principalmente na capital Assunção. O acordo firmado em maio, sem divulgação, foi cancelado oficialmente, e a tensão diminuiu. Um grupo governista que havia aderido à proposta de impeachment da oposição acabou desistindo.

AUTOR: G1

domingo, 15 de setembro de 2019

NO YOUTUBE, PROMESSAS FALSAS DE CURA DO CÂNCER GERAM MILHÕES DE VISUALIZAÇÕES E LUCRO

BBC encontrou mais de 80 vídeos com desinformação relacionada a saúde em 10 línguas diferentes no YouTube CECILIA TOMBESI/BBC

"Oi, estou com um parente com metástase óssea, você pode me receitar esse remédio?", pede Reginaldo, comentando em um vídeo no YouTube.

Sua irmã, de 44 anos, foi diagnosticada com câncer de mama há três e está em seu terceiro tratamento de quimioterapia depois que o câncer se espalhou. Reginaldo dos Santos, um vendedor de Vitória da Conquista, na Bahia, procura a solução em um vídeo intitulado "Remédio Caseiro Contra o câncer, tumores e outros". E o remédio receitado é o melão-de-são-caetano, planta de origem asiática.

O autor do vídeo, um homem do interior do Estado do Espírito Santo, é dono do canal "Elizeu Artes e Criação". Em um vídeo, publicado em 2016, ele olha para câmera e diz que a planta "combate tumores e câncer". "De 80% a 90% das células de câncer são desfeitas com melão-de-são-caetano", afirma.

O vídeo, que contém anúncios, tem 142 mil visualizações e se mistura a outros de seu canal: "Sal e vinagre tira ou não queimados de panela?", "Como fazer letras 3D", "Como tirar manchas do rosto e limpar a pele com menos de R$ 5". A promessa de curar câncer com melão-de-são-caetano, uma afirmação sem comprovação científica, está entre vídeos de "receitas, artes, experimentos e dicas domésticas".

O vídeo é apenas um entre vários em português carregados de desinformação sobre saúde disponíveis na plataforma.

Uma investigação exclusiva da BBC Brasil e do BBC Monitoring, braço da BBC que noticia e analisa informações do mundo todo, encontrou vídeos monetizados com desinformação e curas falsas para o câncer em 10 idiomas, incluindo português. Um vídeo "monetizado" significa que é acompanhado por anúncios que podem gerar dinheiro, tanto para os criadores quanto para o YouTube.

Em nota, o YouTube disse que "a desinformação é um desafio difícil" e que a empresa toma "diversas medidas para endereçar isso" (leia a resposta completa do YouTube no fim desta reportagem).
YouTuber brasileiro diz que melão-de-são-caetano cura câncer, mas não há comprovação científica disso; procurado pela BBC, ele colocou o vídeo em modo privado YOUTUBE

Procurando no YouTube por "tratamento para o câncer" e "cura para o câncer" em português, inglês, russo, ucraniano, árabe, persa, hindi, alemão, francês e italiano, a BBC encontrou mais de 80 vídeos com desinformação sobre saúde. Dez dos vídeos encontrados tinham mais de um milhão de visualizações. Um vídeo brasileiro cujo título diz que aranto, uma planta de origem africana, cura câncer, tem mais de 3 milhões de visualizações. Não é uma afirmação verdadeira — não há estudos científicos que a comprovem.

Mas milhares de brasileiros procuram por respostas no YouTube. "É muito assustador quando você ou alguém que você ama recebe um diagnóstico de câncer", diz o cardiologista Haider Warraich. "Isso nos faz tomar decisões mais com a emoção do que com a razão."

Isso pode ser perigoso porque, como Warraich escreveu no jornal americano New York Times, a "desinformação médica pode provocar um número de corpos ainda maior" que outros tipos de desinformação. Uma pesquisa da Universidade Yale de 2017 concluiu que pacientes que optam por tratamentos alternativos para cânceres curáveis no lugar dos tratamentos convencionais têm maior risco de morte.

A ciência, diz Warraich, "é incerta por natureza", enquanto alguns vídeos no YouTube oferecem respostas absolutas, algo que é muito mais atrativo para quem está fazendo justamente isso — procurando soluções.

'Acredito em parte'

Para Reginaldo, o YouTube oferece outras soluções que ele não vê na medicina. "Remédio caseiro é sempre melhor que remédio de farmácia." Ele diz que tentou ajudar preparando garrafas de babosa e mel para a irmã consumir paralelamente ao tratamento convencional. "Se os médicos falarem que funciona, eles param de ganhar dinheiro. Eu acredito neles em parte. É que, quando a pessoa está boa, a quimioterapia parece matar mais que a própria doença", lamenta.

Outras "curas" sem respaldo científico encontradas pela BBC envolvem o consumo de substâncias específicas, como cúrcuma ou bicabornato de sódio. Ou então: dietas de sucos, jejum, leite de burra ou apenas água fervente.

No Brasil, a maior parte das "curas" envolve frutas e plantas exóticas. Alguns dos vídeos incluem ressalvas como "procure o seu médico antes de adotar essa prática", embora divulguem no título e outras partes do vídeo que a receita divulgada de fato oferece uma cura.

Para Yasodara Córdova, pesquisadora-sênior sobre desinformação e dados na Digital Harvard Kennedy School, em Cambridge, EUA, o Brasil tem uma cultura de "sabedoria secular e confiança nos recursos naturais", em outras palavras, um potencial científico que "não foi aproveitado de maneira estruturada". "O que não está sendo devidamente transformado em ciência, muitas vezes por falta de recursos, está sendo colocado no YouTube como fake news."

Algumas das plantas ou frutas divulgadas nos vídeos como soluções milagrosas de fato são objetos de pesquisas para investigar se podem contribuir para o tratamento de diferentes doenças. Mas são estudos preliminares, que requerem mais pesquisas. Outras, pelo contrário, são objetos de pesquisas que apontam contraindicações, algo ignorado nos vídeos.
É preciso 'triagens clínicas por muitos anos antes de um produto ser considerado efetivo e seguro para dar a pacientes', diz Justin Stebbing, professor da medicina do câncer e oncologia da Imperial College of London; é o caso do melão-de-são-caetano GETTY IMAGES

No caso do melão-de-são-caetano, há pesquisas que apontam que a fruta tem potencial para fornecer compostos anticancerígenos, mas, apesar de diversos links e vídeos apresentando a fruta com a segurança de que se trata de um remédio absoluto contra o câncer, os próprios estudos dizem que mais pesquisas e testes são necessários para concluir algo nessa direção.

Justin Stebbing, professor da medicina do câncer e oncologia da Imperial College of London, explica que algumas plantas são de fato usadas para o desenvolvimento de remédios e contêm químicos anticancerígenos, mas muitas vezes "não estão nas concentrações ou quantidades corretas e não estão purificadas para ter efeitos anticancerígenos".

Um suco ou chá de uma planta, por exemplo, não tem a concentração dos extratos feitos em laboratório. "O processo de extrair esses químicos e purificá-los levam anos", assim como a escolha das "concentrações precisas", que passam por "triagens clínicas por muitos anos antes de um produto ser considerado efetivo e seguro para dar a pacientes".

As plantas, em geral, "são seguras para tomar com tratamentos convencionais, mas sozinhas não vão ter um efeito significativo contra o câncer ou prolongar a qualidade ou quantidade de vida, que é o que oncologistas estão tentando fazer".

"Não estou dizendo que a medicina tem todas as respostas, porque não tem. Mas é preciso tomar cuidado com remédios alternativos na internet sem filtro que são objetos de afirmações como de que curam o câncer, baseado em sentimentos ou porque alguém ouviu dizer, porque precisamos de muito mais hoje em dia para fazer uma afirmação como essa."

Pesquisador de câncer na Universidade Oxford, no Reino Unido, o médico David Robert Grimes explica que, diferentemente das curas falsas divulgadas no YouTube, "a medicina é cuidadosamente regulada, rigorosa e objetiva". "Fazemos pesquisas científicas para verificar se algo funciona. Se funciona, pode virar um remédio, e isso é testado de novo e de novo e de novo", afirma. "Sua eficácia pode ser medida. A ciência é um processo aberto e todo mundo pode testar a ideia de todo mundo."

"Isso não acontece no campo da chamada medicina alternativa. Você tem que simplesmente acreditar no que alguém está dizendo", observa. "Quem oferece uma 'cura mágica' para o câncer está mentindo. Quando as pessoas oferecem soluções fáceis para questões complicadas, devemos desconfiar."
Questionado em comentários no vídeo, YouTuber recomenda 'remédio natural' YOUTUBE

A BBC News Brasil entrou em contato com Elizeu Correia, o criador do vídeo que diz que melão-de-são-caetano cura câncer. Por email, ele afirmou que o vídeo não fala sobre "um chazinho perigoso ou venenoso" e que não estaria mais aberto a visualizações — de fato, depois de ser abordado, ele mudou o vídeo para modo privado.
Desinformação 'contagiosa'

Por que a desinformação dá certo no YouTube? Para a professora de Ciência de Antropologia, Risco e Decisão da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, Heidi Larson, os vídeos "mexem" com as pessoas. "Evocam diferentes tipos de emoção e isso pode ser muito contagioso", afirma ela, que também dirige um projeto de confiança na vacinação.

Além disso, o sistema de recomendação do YouTube já foi acusado de levar usuários a buracos negros de teorias da conspiração e radicalização, já que, para manter o usuário no site, reproduz vídeos automaticamente depois que o primeiro vídeo acaba.

E, muitas vezes, o algoritmo escolhe vídeos com temas semelhantes — e isso também vale para a desinformação. Na prática, significa que se um usuário cai em um vídeo que desinforma, pode acabar assistindo a vários outros vídeos que também desinformam.

A BBC pediu uma entrevista com algum representante do YouTube. Em vez disso, a empresa divulgou uma nota: "A desinformação é um desafio difícil, e nós tomamos diversas medidas para endereçar isso, incluindo mostrar mais conteúdo confiável sobre questões médicas, exibindo painéis de informação com fontes confiáveis e removendo anúncios de vídeos que promovam afirmações danosas. Nossos sistemas não são perfeitos, mas estamos constantemente fazendo melhorias e permanecemos comprometidos para progredir nesse espaço".

A empresa anunciou em janeiro que iria "reduzir recomendações de conteúdo borderline (no limite do aceitável) e conteúdo que poderia desinformar usuários de forma danosa — como vídeos promovendo uma falsa cura milagrosa para uma doença séria". Mas isso, até agora, apenas em inglês.

Mudanças em outras línguas ainda não foram anunciadas.

Além disso, a empresa já afirmou que, nos esforços para combater a desinformação, esse sistema de recomendação vai mudar, com recomendação de vídeos que são confiáveis a pessoas que estão assistindo a vídeos que talvez não sejam.
O YouTube planeja mudar seu sistema de recomendação REUTERS

Lucrando com desinformação

Os vídeos encontrados pela BBC tinham uma série de anúncios no começo ou no meio. Havia anúncios de universidades respeitadas, empresas de turismo e filmes. Isso significa que tanto o YouTube quanto os criadores dos vídeos podem lucrar com o conteúdo.

Mas as "diretrizes para conteúdo adequado para publicidade" do YouTube estabelecem que vídeos que promovam ou defendam "declarações ou práticas médicas ou de saúde prejudiciais", como "tratamentos não médicos que prometam curar doenças incuráveis" não podem ter publicidade. A plataforma tem o poder de desmonetizar certos tipos de conteúdo e remover as receitas para os criadores dos vídeos. E essa política é global.

Os vídeos monetizados encontrados pela BBC News Brasil, porém, estavam no ar desde 2016. A política da plataforma em relação a desinformação sobre saúde, portanto, não é clara ou não é aplicada corretamente.

A BBC enviou as informações sobre os vídeos com curas falsas encontradas no YouTube nas dez línguas pesquisadas. Depois da publicação da reportagem, a empresa informou ter desmonetizado mais de 70 dos vídeos por violarem suas políticas de monetização.
Vídeos prometendo curas - com tratamentos à base de leite de burra e bicarbonato de sódio, por exemplo - encontrados pela BBC eram apresentados em árabe, russo, hindi e português  REPRODUÇÃO YOUTUBE

Erin McAweeney, uma pesquisadora do instituto Data & Society que trabalhou com saúde e dados, levanta um problema: mesmo que o YouTube desmonetize esses vídeos, "não há evidências que mostrem que desmonetizar resolve o problema do tamanho da audiência e de seu alcance".

"Há muitas motivações por trás do compartilhamento de desinformação. Dinheiro é só uma delas. Não temos evidências que confirmam que desmonetização leva a 'despriorização'. E, em muitos casos, receber atenção e visualização em um vídeo é algo mais valioso para seus criadores do que o dinheiro que gera", afirma.

E há uma questão final: quem, afinal, determina o que é desinformação? "Estamos pedindo que corporações com pessoas que não são especialistas em saúde pública façam esse julgamento por nós, todos os cidadãos. Há linhas tênues, gradientes da verdade. O desafio é como estabeleceremos essa linha e quem será a pessoa ou as pessoas que a estabelecerão", diz Isaac Chun-Hai Fung, um professor de epidemiologia da Georgia Southern University, nos Estados Unidos.
Escutar os pacientes

Mas os especialistas apontam para outro impasse, menos relacionado à plataforma. Profissionais de saúde, eles dizem, também tem um pouco de responsabilidade.

Com uma equipe de alunos, Fung e pesquisadores da William Paterson University analisaram informações sobre saúde em inglês no YouTube. Descobriram que, não importasse qual fosse o tópico de saúde, a maioria dos 100 vídeos mais populares no YouTube era criada por amadores, pessoas que não são profissionais de saúde ou ciência.

"A comunidade de saúde pública e de ciência tem hesitado em se engajar nas redes sociais. Precisamos nos engajar", diz Larson, da Escola de Higiene & Medicina Tropical.
Especialistas defendem que médicos devam se engajar nas redes sociais GETTY IMAGES

Fung defende que a solução para a desinformação relacionada a saúde também deve considerar a produção de vídeos sobre ciência e medicina moderna. "Deve haver vídeos de alta qualidade que eduquem sobre o tema em várias línguas e com linguagem acessível. Profissionais de saúde devem trabalhar com profissionais de mídia para fazer isso. Não acho que haja investimento."

Outra conclusão de seu estudo é que vídeos que atraem visualizações normalmente são aqueles que contam experiências pessoais. "Para comunicar os benefícios da medicina moderna, temos que adotar estratégias similares aos vídeos com maior quantidade de visualizações no YouTube. Será que alguém que se beneficiou da medicina moderna pode contar sua história, por exemplo?", pergunta.

McAweeney declara que, se conteúdo com conspirações e desinformação sobre câncer está mais disponível que conteúdo científico, então "as instituições confiáveis são as responsáveis por produzir conteúdo para preencher os vazios de dados".

Warraich, o cardiologista, diz achar que médicos devem criar "maneiras pelas quais pacientes podem entrar em contato com eles". "Se os pacientes pudessem acessar seus médicos, adivinhem quem seria sua fonte?"

A comunicação é chave, de acordo com Larson. Mas especialmente a parte de "escutar", que, trabalhando com pessoas que hesitam em serem vacinadas, ela aprendeu a defender. A comunidade científica "não tem sido boa o suficiente em escutar" pessoas que têm dúvidas, ela diz. "Não é um ambiente de informações fácil de navegar. Temos que ter empatia."

*Colaboraram Flora Carmichael, do Beyond Fake News, e BBC Monitoring

AUTOR: BBC

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

PESQUISA DA IPSOS APONTA QUE BRASILEIROS ESTÃO MENOS FELIZES EM 2019

O índice de felicidade caiu 12% do passado para esse ano Reuters

Os brasileiros estão menos felizes neste ano em comparação com o ano passado, segundo uma pesquisa do instituto Ipsos que avaliou a felicidade da população de 28 países.


No Brasil, 61% dos entrevistados consideram-se muito felizes ou felizes – uma queda de 12 pontos percentuais em relação à última edição, feita em 2018, quando o resultado foi de 73%. No mundo, o índice de felicidade também caiu de 70% para 64%.

"Toda vez que há uma eleição presidencial, vemos uma renovação dos ânimos, então 2019 começou com expectativas e depois houve uma frustração.", explica Sandra Pessini, diretora da Ipsos. "Existe uma correlação bem forte entre a confiança na economia e a percepção de felicidade. E a demora na retomada econômica impacta muito a vida e o dia a dia das pessoas."

"Mas há frustração não só com o governo e com a economia em si. Sabemos que tragédias e a polarização política também impactam essa percepção."

A pesquisa, chamada Global Happiness Study ou Estudo Global da Felicidade, foi divulgada nesta quarta. Foi feita online com 20,3 mil entrevistados em 28 países, entre 24 de maio e 7 de junho de 2019. Foram mais de 1.000 entrevistados no Brasil e a margem de erro no país é de 3,5 pontos para mais ou para menos.

Por se tratar de uma pesquisa online, o estudo da Ipsos é representativo da população conectada, que no Brasil é 70% do total.

Felicidade no mundo

A Austrália e o Canadá são as nações com o melhor índice, onde 86% dos entrevistados se consideram felizes.

Em seguida vêm a China e o Reino Unido, onde o índice de felicidade é 83% – no caso britânico, o número parece estar desconectado do contexto político conturbado, em meio às negociações sobre a saída da União Europeia, o chamado Brexit.

Pessini explica que peso da questão política para os britânicos é menor para a felicidade pessoal (52%) do que para os brasileiros (67%). A pesquisa foi feita entre meio e junho deste ano, antes de Boris Johnson assumir o cargo de primeiro-ministro.

Quase todos os países da América registraram queda na felicidade Getty Images

O país analisado com o menor índice de felicidade é a Argentina, com 34%. Por lá, o índice caiu 22 pontos desde o ano passado.

Quase todos os países estudados nas Américas registraram queda na porcentagem de adultos felizes. Além dos brasileiros e argentinos, também estão mais infelizes os chilenos, os americanos e os mexicanos. Somente as pessoas no Canadá e no Peru estão mais felizes – o aumento foi de 5 e 4 pontos, respectivamente.

O que faz as pessoas felizes?

A saúde e o bem-estar físico são considerados muito importantes como fonte de felicidade para 65% dos brasileiros, ocupando o primeiro lugar entre as 29 fontes de felicidade citadas na pesquisa.

Em segundo lugar está ter um emprego que faça sentido (62%), seguido por sentir que a vida faça sentido (59%).

Depois estão segurança pessoal, sentir que estou no controle da minha vida, minha condição de vida, ter mais dinheiro, minha situação financeira pessoal, e meu bem-estar religioso ou espiritual, todos empatados com 57%.

Esse ranking brasileiro é um pouco diferente do global, onde filhos (48%) e a relação com o parceiro (48)% aparecem entre entre as cinco principais fontes de felicidade para a maioria dos entrevistados.

A saúde é o fator principal de felicidade no mundo todo, explica Pessini. Ela afirma que, entre as diferenças no ranking de fontes de felicidade apontadas pelos brasileiros, se destaca o fato de "ter um emprego que faça sentido" estar em segundo lugar entre as fontes mais importantes.

"No resto do mundo essa fonte só aparece em sexta ou décima posição. No momento atual, em que sabemos que desemprego é alto, em que muitas pessoas aceitaram um emprego que não era o que sonhavam ou com condições que não eram as ideais, é bem significativo que os brasileiros coloquem esse fator como tão importante."

AUTOR: BBC NEWS

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

SUICÍDIO NOS EUA: O 'PACTO DO SILÊNCIO' QUE ESTÁ MATANDO POLICIAIS

David Betz (à esq.) com o pai, Dave Betz - DAVE BETZ

A morte de nove policiais de Nova York neste ano levou familiares, policiais e políticos a procurarem culpados. Mas o suicídio é um problema mais profundo, enraizado na cultura policial. O que há por trás dessa situação?

Enquanto acelerava o carro em uma manhã fria e cinzenta de fevereiro, o coração de Dave Betz estava disparado. Como policial havia 32 anos, ele estava acostumado a perseguições de carros.

Mas, naquela manhã, ele era um pai procurando por seu filho. Dave recebeu uma ligação no início da manhã com o recado de que seu filho David, de 24 anos e também policial, não havia aparecido para o seu turno de trabalho.

Depois que ele desligou o telefone, abriu a porta do quarto do filho, onde encontrou o suporte da arma - mas sem a arma dentro.

"Liguei para meus colegas, dizendo: 'não tenho um bom pressentimento sobre isso'".
Ao atravessar o estacionamento vazio do Boston Sports Club, Dave viu o carro do filho, com as janelas embaçadas, escondido em um canto distante, atrás de um imponente prédio de concreto. Enquanto caminhava para a parte da frente do carro, o treinamento policial veio à mente.

"O raciocínio de um policial - luta ou fuga - surgiu como reação", disse ele. "A morte é algo que ninguém gosta de ver. Você simplesmente não quer ver, sabe? Você precisa, mas é o membro da família de alguém."

"Ele estava dentro do carro dele, sentado, com o telefone no colo. E eu sabia, sabe? Mas eu não queria saber", diz ele, enquanto sua voz baixa.

Tocava música country no rádio do carro quando Dave, vestido com calça de pijama e camiseta, viu que o filho estava morto.

David Betz morreu em consequência de tiro disparado por ele mesmo, sem deixar nenhuma explicação sobre o que o levou a isso, diz o pai. Ele está entre centenas de policiais nos Estados Unidos que tiraram suas próprias vidas e deixaram uma série de perguntas sem respostas.

"Eu sempre pensei que era capaz de perceber as coisas e saber se alguém precisa de ajuda", diz Dave. "Mas eu não consegui ver isso no meu filho, sabe. Isso me entristece".
No estacionamento onde encontrou o filho, Dave mostra uma foto deles juntos - DAVE BETZ

Um estudo de 2018 mostrou que mais policiais morreram por suicídio do que exercendo sua atividade profissional nos Estados Unidos. Os pesquisadores dizem que os policiais correm um risco maior de suicídio do que em qualquer outra profissão, devido a uma combinação de fatores: estresse intenso, pressão para ocultar sofrimento emocional e acesso fácil a armas de fogo.

Em cada 100 mil pessoas, 13 morrem por suicídio, quando é considerada a população geral. Mas esse número sobe para 17 em 100 mil quando são considerados apenas os policiais, segundo a Ruderman Family Foundation.

Em 2018, 167 policiais cometeram suicídio. Neste ano, foram 130 nos primeiros 8 meses, de acordo com o Blue Help, um grupo de prevenção de suicídios da polícia de Massachusetts que acompanha o tema.

Esses números consideram apenas os suicídios confirmados. Alguns especialistas da área dizem que o número real pode ser ainda maior, pois algumas famílias optam por não relatar a causa da morte ou descrevê-la como acidental.
Problema velado

Recentemente, a cidade de Nova York se tornou foco de atenção nos Estados Unidos quando se fala nesse assunto. O chefe do Departamento de Polícia de Nova York (NYPD), James O'Neill, disse, em junho, que havia uma crise de saúde mental. Na ocasião, a cidade enfrentava o suicídio de nove policiais.

"Precisamos mudar essa cultura", disse ele. "Precisamos garantir que nossos policiais tenham acesso a cuidados de saúde mental para que possam se manter bem e fazer o trabalho que desejam".

Mas a crise continuou.

Robert Echeverria, de 56 anos, morreu por ferimento a bala feito por ele mesmo em agosto, apenas um dia depois que o policial Johnny Rios, de 35 anos, cometeu suicídio.

A irmã de Robert, Eileen Echeverria, disse à BBC que entrou em contato com a área de assuntos internos do departamento policial sobre preocupações com a saúde mental de seu irmão várias vezes - sendo a mais recente em junho, antes da morte dele.

O departamento disse que investigaria, mas as armas do policial, que estava havia 25 anos na corporação, foram devolvidas a ele em dois dias. Eileen culpa o alto escalão pelo suicídio.
Chefe do Departamento de Polícia de Nova York, James O'Neill - GETTY IMAGES

"O Departamento de Polícia de Nova York está quebrado em muitos níveis. Não é o mesmo, os oficiais costumavam ser respeitados", disse ela à BBC News antes de encontrar o vice-comissário de relações com funcionários.

O Departamento de Polícia de Nova York diz que a morte de Echeverria está em investigação.

"Precisamos mudar isso", diz ela.

Cidades e estados de todo o país estão abalados por problemas semelhantes. Califórnia, Flórida, Nova York e Texas relataram pelo menos 10 suicídios policiais no ano passado, de acordo com a Blue Help.

No início deste ano, o Departamento de Polícia de Chicago, a segunda maior força do país, com 13 mil policiais, também foi forçado a enfrentar sua onda de suicídios policiais.

A tragédia levou ao lançamento de uma campanha de saúde mental, que disponibilizou o dobro do número de terapeutas disponíveis para os policiais, bem como uma campanha em vídeo mostrando oficiais experientes - incluindo o superintendente, Eddie Johnson - admitindo suas próprias lutas com a saúde mental.

O presidente Donald Trump autorizou até US$ 7,5 milhões (R$ 30 milhões) em subsídios por ano para prevenção de suicídios policiais, exames de saúde mental e treinamento, à medida que departamentos em todo o país trabalham para reduzir os números.

Mas o problema não é exclusivo dos Estados Unidos. Uma tendência semelhante está aparecendo em outros países onde os policiais usam armas de fogo.

No Brasil, só no Estado de São Paulo, 35 policiais militares tiraram a própria vida em 2018, um aumento de 84% em relação a 2017, segundo dados divulgados em fevereiro pela Ouvidoria da Polícia.

No ano passado, a França teve uma taxa de suicídio 36% maior entre a polícia do que a população em geral, e neste ano 64 policiais já se suicidaram.

Para comparação, cerca de 20 policiais tiraram suas próprias vidas no Reino Unido entre 2015 e 17, de acordo com o departamento de Estatísticas Nacionais do Reino Unido. Ao contrário da França, a maioria da polícia britânica não carrega armas.

Quase dois terços de todas as mortes por armas de fogo nos Estados Unidos são suicídios, de acordo com dados do grupo Everytown.

Embora seja menos provável que as pessoas tentem suicídio com uma arma (6% de todas as tentativas), a característica mortal das armas torna a morte mais provável. Cerca de metade dos suicídios envolvem armas de fogo.

Pelo menos seis das nove mortes na polícia de Nova York envolveram uma arma, muitas delas a própria arma de serviço.

Por que o suicídio é tão alto na polícia?

John Violanti, um veterano da polícia americana com 23 anos de experiência e professor da Universidade de Buffalo focado no estresse policial e na saúde mental, aponta a natureza do trabalho como parte da equação que leva ao suicídio. "Eles veem crianças abusadas, cadáveres, acidentes de trânsito horríveis", aponta.

"Se você tem que vestir um colete à prova de balas antes de ir para o trabalho, isso é uma indicação de que você já tem a possibilidade de ser baleado ou morto e que sua família tem a mesma probabilidade. Portanto, todas essas coisas pesam muito na mente e, com o tempo, afetam os policiais."

Mark DiBona, de 33 anos, veterano da polícia e porta-voz da Blue Help, experimentou na pele o desenvolvimento de transtorno de estresse pós-traumático no trabalho.

Ele se voluntariou a trabalhar por três semanas em Nova York, quatro dias após os ataques de 11 de setembro, e lembra que seus pesadelos começaram logo depois. Esse trauma, agravado por outras experiências - incluindo responder a um incêndio no carro com um passageiro preso dentro -, levou à sua depressão.

"Eu queria morrer. Eu me sentia um fracasso", diz ele.

Sentado no banco da frente do carro, Mark escreveu uma carta raivosa ao departamento de polícia e uma carta de desculpas para sua mãe e esposa, antes de colocar a arma na boca.

Por sorte, outro policial apareceu em seu carro para intervir antes de ele puxar o gatilho.

Mas ele - junto com muitos oficiais - acredita que uma das maiores barreiras na busca de ajuda é o estigma.

"Carregamos uma arma, carregamos um bastão, usamos um colete à prova de balas. Tudo isso para nos proteger fisicamente", diz ele. "Precisamos disso. Mas temos muito pouco treinamento quando se trata de nos proteger mentalmente".

Parte desse estigma vem da perpetuação da cultura do machismo no trabalho policial, uma noção que Janice McCarthy está trabalhando para mudar ao treinar oficiais em prevenção de suicídios e por meio de sua organização Care of Police Suicide Survivors (Assistência aos sobreviventes de suicídio policial).

O marido de Janice, Paul, se matou em julho de 2006, após 21 anos de carreira como capitão da polícia do estado de Massachusetts. Ele sofreu transtorno de estresse pós-traumático depois de três acidentes de carro.
Janice McCarthy passou os últimos 13 anos após a morte do marido defendendo o treinamento em saúde mental para os policiais

"Hipervigilância" faz parte do trabalho quando se trata de trabalho policial, diz Janice. "É esse sentimento de que você está pulando para fora da pele."

"Os policiais têm muita adrenalina... quase como usar droga", lembra ela do marido. "Mas o problema é que você não pode voltar para casa e desligar. Ele não dormia. Ele não podia realmente se envolver em uma conversa."

"Eles são cuidadores. Eles estão acostumados a cuidar de todos os outros. Ele trocava pneus furados, salvou bebês recém-nascidos prematuros. 

Ele não pôde se salvar porque ninguém lhe deu o luxo de dizer 'o que há de errado?' ou perguntar 'você está bem?'"
Paul McCarthy, marido de Janice, com o filho Christopher - JANICE MCCARTHY

Ela ajudou parlamentares de Massachusetts a elaborar um projeto de lei para exigir treinamento em saúde mental para os policiais em exercício. O projeto, após quatro anos, ainda não foi aprovado.

Mas ex-policiais e defensores da prevenção do suicídio dizem que oferecer terapia e treinamento é apenas parte da batalha.

O medo de perder sua arma

A ideia de que a identidade de um policial está ligada à sua arma é um estigma que os especialistas não conseguem decifrar.

"Uma questão sobre o trabalho policial é que quanto mais tempo você acumula de trabalho, mais ele consome sua identidade", diz Mark enquanto descreve a importância do distintivo e da arma de um policial.

Chris Prochut era o terceiro no comando em Bolingbrook, um subúrbio a sudoeste de Chicago, quando seu departamento de polícia recebeu atenção internacional devido a uma investigação de um assassinato que envolvia um oficial.

Ele foi encarregado de lidar com os repórteres, que pediam detalhes sobre o ex-sargento Drew Peterson, acusado de assassinar sua terceira e quarta esposas - a última delas ainda desaparecida.

"Eu pensei que poderia lidar com isso porque é isso que os policiais fazem. Eu posso resolver isso", lembra o agora defendor de treinamento em saúde mental e instrutor de prevenção de suicídios. "Imaginei que poderia mudar a imagem pública do nosso departamento de polícia."

Sob imensa pressão e dormindo pouco, o caso corroeu a mente de Chris.
Chris Prochut planejou seu próprio suicídio até sua esposa e colegas interromperem seu plano - CHRIS PROCHUT

"Eu chegava em casa com minha família e não queria estar com eles", lembra ele.

Por insistência de sua esposa, Chris procurou ajuda e acabou tomando remédios para ajudar a aliviar a angústia. Mas a dor não parou. Foi quando ele decidiu tirar a própria vida.

"Na minha cabeça, não havia outra opção, porque eu já tinha tentado terapia. Tentei medicação. Eles não funcionam para mim, mas posso entender isso."

Ele escolheu uma área arborizada onde queria tirar a vida, em uma cidade próxima, um movimento deliberado para que seus colegas não precisassem investigar a morte de um deles.

Quando estava com o plano definido, a esposa de Chris descobriu e interveio. Ela chamou os colegas do marido, que, no meio da noite, o levaram a um hospital para tratamento psiquiátrico.

A lei do estado de Illinois previa que Chris perdesse o porte de arma de fogo depois que fosse liberado do hospital. Aí ele acabou perdendo o emprego.

Chris e a família deixaram Illinois depois de perder a casa, mudando-se para Hartford, Wisconsin, onde agora ele trabalha na sede da rede de lojas Kohl, bem como com a polícia estadual na prevenção de suicídios.
A esposa de Chris descobriu os planos do marido de se suicidar - CHRIS PROCHUT

Desde então, as leis mudaram em Illinois, permitindo aos proprietários de armas um período de carência de 60 dias para manter o cartão de proprietário de armas de fogo enquanto um pedido de renovação é processado.

Parte do objetivo é incentivar os policiais a procurar tratamento em saúde mental sem medo de perder o distintivo - exemplo que Chris espera que possa ser seguido em outros lugares.

Mas o ex-policial também quer que sua história mostre que há vida após a polícia.

"Levei alguns anos para perceber que existe vida após o trabalho na polícia, mas você precisa estar aqui. Você precisa estar aqui para que melhore", diz ele.

"Perdi minha arma e perdi meu emprego, mas estou aqui e estou bem."
A vida continua

De volta ao cemitério em Boston, o filho mais novo de Dave, Cameron, fica perdido perto do túmulo de David, com a voz embargada enquanto luta para falar sobre seu irmão, seu herói.

Cameron usa símbolos em homenagem a seu irmão - pulseiras de prevenção de suicídio e um ponto-e-vírgula tatuado no pulso esquerdo, um símbolo usado para aumentar a conscientização sobre lutas de saúde mental e prevenção de suicídio, para mostrar que a vida continua.

"A vida para eles continua. A vida para nós continua de uma maneira diferente", diz Dave sobre outros policiais.

Grande parte da vida de Dave também é uma homenagem para seu filho. Seu escritório é cheio de imagens de David e do resto de sua família, ao lado de relíquias e lembranças com símbolos ocultos para manter viva a memória de David.

Uma imagem de nuvens sobre o túmulo do filho, no formato do número oito - o número da sorte de David - fica emoldurada ao lado das botas e uniforme de polícia que o jovem usava. Os braços de Dave estão tatuados com o número favorito do filho e uma mensagem no antebraço, feita com a letra de David, de um cartão do dia dos pais que lhe foi entregue em junho, antes de ele falecer.
Dave Betz fez uma tatuagem que reproduz mensagem deixada pelo filho no Dia dos Pais

A morte por suicídio pode deixar a familiares e amigos perguntas sem resposta sobre o que poderia ter sido feito de diferente para evitar a tragédia.

"Ser um sobrevivente do suicídio de um familiar nos faz integrar um grupo ao qual nunca quisemos pertencer", diz Janice.

"Se alguém morre por suicídio, há muitas coisas que as pessoas enxergam e elas querem encontrar sua própria idéia do que deu errado. É da natureza humana tentar descobrir algo, colocá-lo nessa caixinha e guardá-la. "

Mas, para esse grupo de sobreviventes, falar com policiais e tentar ajudá-los é uma maneira de preencher o vazio deixado pelos familiares que se mataram.

Para os policiais que escondem suas batalhas, Janice tem uma mensagem: "Se você não é policial amanhã, quem é você?"

"Você é marido? Você é pai? Você precisa ser multidimensional e precisa se cuidar emocionalmente", ela declara.

"Eu gostaria que eles soubessem que são mais que um policial e que a vida deles significa mais que esse trabalho".
Se você está deprimido e tem pensamentos suicidas, ligue para o Centro de Valorização da Vida (CVV) por meio do número 188. As ligações são gratuitas para todo o Brasil.

AUTOR: BBC

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