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sábado, 9 de junho de 2018

POR QUÊ AS RELIGIÕES CONDENAM O SEXO?

(Julius Schnorr von Carolsfeld/Superinteressante)

O Gênesis conta também a história de como a prática de reverenciar vários deuses se transformou no culto a um deus só. Diz a Bíblia que Abraão ouviu uma voz divina ordenando que fosse para Canaã, a terra prometida, onde ficam atualmente Israel, territórios palestinos e parte do Líbano, da Jordânia e da Síria. Lá ele teria fartura e descendência numerosa, venceria todas as guerras e lideraria um povo. Em troca, deveria venerar um único criador e espalhar sua palavra.

Foi então que um deus ganhou supremacia sobre todos os outros para os seguidores dos preceitos de Abraão, o primeiro patriarca bíblico. Mais tarde, as religiões abraâmicas estariam entre as maiores do planeta: o judaísmo, o cristianismo, que veio em seguida, e o islamismo, surgido no século 7. A ideia do monoteísmo não era nova. O zoroastrismo, religião difundida no antigo Império Persa no primeiro milênio antes de Cristo, é considerado a primeira doutrina a cultuar uma única divindade. Mas foram as religiões abraâmicas que difundiram o deus único pelo mundo.

E o surgimento do monoteísmo influenciou a libido. Em um mundo feito pela ação de dezenas de divindades, elas transavam para se multiplicar e dar origem ao Universo. O amor e a paixão são deuses, a morte e a guerra também. O panteão greco-romano era cheio de imperfeições, como traição, ciúme, inveja, raiva. Assim no céu como na Terra, os deuses tinham características explicitamente humanas, falíveis.

Quando Deus, já com D maiúsculo, se revelou a Abraão, Ele passou a ser entendido como criador de todas as coisas e do homem, feito à imagem e semelhança dEle. E a imagem bíblica de Deus no Antigo Testamento é a de quem pune com rigidez. Os fiéis que seguem os preceitos recebem em troca a fartura, a saúde, a plenitude. Mas quem comete deslizes é marcado pela fome, pela sede, pela dor, pelas doenças.

A morte, a tempestade, a seca, as colheitas ruins deixaram de ser manifestações da natureza, como entendem os politeístas, e viraram castigo divino para desvios da conduta pregada. E não adianta tentar se esconder. Deus é onipresente, está em todos os lugares, e onisciente, sabe de tudo. Não há nada que escape disso, nem o que se faz em um quarto escuro, nem mesmo o que passa pelos pensamentos.

E aqui entra a culpa. Quem não pratica sexo da forma como mandam os textos sagrados vira juiz de si mesmo. Ninguém está ali para punir, mas o comportamento aprendido é de que, de alguma forma, uma força maior está observando e, cedo ou tarde, mandará um castigo.

Para o cristianismo, o sexo ganhou contornos ainda mais restritos do que em outras crenças. Vamos avançar um pouco no tempo para entender por quê.


Sexo e culpa

Estamos no século 4 da nossa era. Os seguidores de Jesus, que no século 1 eram chamados de nazarenos, tinham deixado de ser vistos como dissidentes judeus e passado a ser conhecidos como cristãos, discípulos de Cristo. A nova religião estava ganhando cada vez mais força, inclusive entre nobres. E o imperador romano Constantino decidiu se converter.

Talvez por ver ali uma forma de obter apoio de uma parcela importante da população, talvez por fé na doutrina de um messias piedoso que professava a salvação para quem quisesse se converter, inclusive para romanos, que eram pagãos e politeístas. O motivo não importa. O fato é que, pelo poder do Estado, a religião virou instrumento de coesão para ajudar a unificar o império sob um conjunto de normas e leis. Muitos dos preceitos que passaram a governar a moral a partir dali vieram de Saulo de Tarso, o São Paulo, celibatário:

“Bom seria que o homem não tocasse em mulher, mas, por causa da prostituição, tenha cada homem sua própria mulher e cada mulher seu próprio marido.” I Coríntios 7:1-2

O cristianismo ensina que a mãe de Jesus é virgem. Portanto, concebeu sem fazer sexo. A mensagem subliminar para as boas cristãs é que devem ser mães sem serem mulheres, procriar sem sentir prazer no ato sexual, perseguir a pureza. Os homens também precisam buscar a purificação: de acordo com a Igreja, Jesus não manteve relações. Mas a eles coube o papel de “sujeitos a tentações”. “Fracos” que são, vivem caindo nas graças da lascívia, convencidos pelas Evas a provar o fruto proibido. Se não aguentarem, que pelo menos não maculem a santa esposa.

Para o teólogo e filósofo Agostinho de Hipona – Santo Agostinho, que viveu no Império Romano entre os séculos 4 e 5 – era preferível que o homem cometesse o pecado do sexo que não fosse para a procriação (ou seja, oral e anal) com prostitutas, porque a salvação delas já seria mesmo “duvidosa”, do que “macular” a própria esposa. Santo Agostinho foi um dos mais influentes pensadores do cristianismo e ajudou a consolidar a crença de que sexo oral e anal eram “crimes piores” do que o adultério.

Qualquer semelhança desses conceitos com a realidade de muitos casais, que não se sentem à vontade para experimentar diferentes carícias e posições sexuais nem sequer conversar sobre sexo, não é mera coincidência.

A assexualidade e o conceito da mãe virgem não aparecem nas outras religiões abraâmicas. Os patriarcas do Antigo Testamento eram casados. Abraão teve um filho, Ismael, com uma serva egípcia, Agar. Depois, a esposa, Sara, conseguiu engravidar e deu à luz Isaac. Ismael teve 12 filhos, que deram origem aos povos árabes. Isaac é pai de Jacó, também chamado de Israel, que teve duas mulheres e duas concubinas. Maomé, o profeta islâmico, teve 16 esposas.

Sexo e religião são incompatíveis? Não precisam ser. Isso depende da leitura que cada um faz dos ensinamentos que segue. Ainda que existam nuances entre a visão sobre sexo dentro de cada religião, todas elas têm Constituição própria, com uma série de leis, condutas e preceitos reguladores da vida dentro e fora dos locais sagrados. Mesmo que você não vá à igreja, vive em uma sociedade imersa em dogmas.

Para muitos, ter uma vida sexual plena e feliz, se não configura pecado, é, no mínimo, imoral. E não foi só a Idade Média que reprimiu fortemente o sexo e estabeleceu as raízes dos preconceitos que sobrevivem até hoje, não. A partir do final do século 15, o tema virou assunto médico com o alastramento de um mal que dizimou milhares e era atribuído ao castigo divino: a sífilis.

AUTOR: SUPERINTERESSANTE

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