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sábado, 22 de setembro de 2018

NOS EUA, 4 TIROTEIOS EM MASSA EM MENOS DE 24 HORAS, 2 MIRAVAM COLEGAS DE TRABALHO

Mulher matou três pessoas e depois se suicidou em Maryland GETTY IMAGES

Quatro atiradores abriram fogo contra aglomerações de pessoas nas últimas 24 horas nos Estados Unidos.

O episódio mais recente foi registrado nesta quinta-feira, em Maryland, após uma funcionária temporária do depósito de uma rede de farmácias matar três pessoas e ferir outras três. Ela se suicidou com um tiro na cabeça antes de ser capturada pela polícia.

Na manhã do dia anterior, um funcionário de uma empresa de tecnologia de Wisconsin feriu a tiros quatro colegas de trabalho, causando ferimentos graves em três deles. O atirador foi morto pela polícia, segundo autoridades locais.

Horas depois, na Pensylvania, um homem feriu quatro pessoas e foi morto pela polícia na entrada do gabinete de um juíz, minutos antes de se apresentar em uma audiência do processo em que era acusado de agressão contra a esposa.
O quarto tiroteio aconteceu em Chicago, quando um homem abriu fogo contra um carro em uma briga de trânsito e atingiu quatro dos cinco passageiros - entre eles um bebê de seis meses e um garoto de 13 anos, ambos em levados em estado crítico para um hospital local, enquanto o atirador fugiu.

Os homicídios promovidos em locais de trabalho não são exceção nos EUA. Segundo os dados mais recentes do Departamento de Trabalho do governo americano, 500 homicídios do tipo aconteceram no país em 2016 - uma alta de 83 casos em relação ao ano anterior

Oito a cada dez destas mortes foi provocada por armas de fogo - as demais foram frutos de esfaqueamentos ou perfurações e agressões físicas.

Os principais alvos de homicídios no ambiente de trabalho são, também segundo o governo dos EUA, operadores de caixa (54 mortes), supervisores de vendas (50) e policiais (50).
Diversidade

As características de cada episódio ilustram a diversidade de tiroteios em massa nos Estados Unidos, que não se concentram apenas em escolas ou grandes eventos públicos.

"Episódios como Las Vegas ou Parkland, com quantidades impressionantes de mortos, acontecem de tempos em tempos, não toda hora", diz à BBC News Brasil o estatístico Mark Bryant, diretor executivo da associação Gun Violence Archive (GVA - ou Arquivo da Violência Armada, em tradução livre), que registra mortes por armas de fogo desde 2013 a partir de dados do governo e das forças de segurança dos EUA.

Bryant se refere ao dois tiroteios de grandes proporções. Em fevereiro deste ano, em uma escola Parkland, na Florida, um ex-aluno armado com um rifle AR-15 matou 17 pessoas e feriu 14. Em outubro do ano passado, em Las Vegas, um aposentado matou 58 e deixou 851 feridos em um festival de música na principal avenida da cidade.

"Há duas grandes categorias de tiroteios em massa - os que ocorrem entre membros gangues de rua e os cometidos por cidadãos considerados 'comuns'", diz Bryant. "Estes últimos se dividem em inúmeras subcategorias e são os difíceis de prever, porque estatisticamente são cometidos por pessoas que passariam em qualquer análise de antecedentes e não tem problemas diagnosticados de saúde mental."
Em Chicago, homem abriu fogo contra um carro; há quatro vítimas, duas delas crianças em estado crítico GETTY IMAGES

A GVA classifica como tiroteios em massa episódios em que quatro ou mais pessoas são baleadas ou mortas em um único incidente, sem contar o atirador. O banco de dados entidade conta 262 tiroteios em massa nos Estados Unidos só em 2018. No ano passado, até 20 de setembro, foram 259.

O governo americano não tem uma definição oficial para "tiroteios em massa". O FBI conta apenas episódios com mortes, classificados "assassinatos em massa" quando três ou mais pessoas morrem no mesmo local público. A polícia federal americana qualifica ainda como "assassino em massa" quem mata quatro ou mais pessoas em uma determinada situação.
Comparação com Brasil e outros países

Mais de 11 mil pessoas foram assassinadas a tiros nos Estados Unidos em 2016, segundo o FBI.

O número impressiona, mas equivale a um quarto das mortes por tiros registradas no mesmo ano no Brasil - mais de 44 mil, segundo o Mapa da Violência 2016, estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FPSP).

Enquanto as mortes por armas de fogo respondem por 64% do total de homicídios registrados nos EUA, no Brasil, onde o porte de armas é proibido pelo Estatuto do Desarmamento, a fatia é mais ampla e chega a 71,6%.

Os EUA perdem na comparação com outros países desenvolvidos. No Canadá, o percentual de homicídios por armas de fogo é de 30,5%. Na Austrália, o mesmo indicador gira em torno de 13%, enquanto, no Reino Unido, ele não passa de 5%.

O porte de armas é um dos temas mais discutidos por candidatos à presidência nas eleições brasileiras. Os candidatos Álvaro Dias (Podemos), Jair Bolsonaro (PSL) e João Amoedo (Novo) defendem revisões no Estatuto do Desarmamento e autonomia para o armamento da população em determinadas situações. Geraldo Alckmin (PSDB) já se pronunciou a favor do armamento em zonas rurais. Os demais candidatos defendem a manutenção da lei como está.

Pilar da Constituição
'A história se repete sempre que há um caso com grande repercussão: um grupo de congressistas defende regras mais rígidas para a venda de armas, enquanto outro tenta ampliar o acesso', diz Mark Bryant

O tiroteio desta quinta-feira em Maryland responde a uma exceção nas estatísticas: mulheres são responsáveis por menos de 5% dos tiroteios em massa ons Estados Unidos.

Segundo a polícia local, ela tinha porte e registro de arma e tinha "vários cartuchos de munição". Outras mil pessoas trabalham no depósito da rede farmacêutica Rite Aid, onde os tiros foram disparados.

Nos últimos sete dias, oito tiroteios em massa por registrados no país. A enorme incidência faz com que a maior parte dos casos ganhe pouca repercussão nacional ou internacional.

"Pouca coisa mudou legalmente desde os últimos grandes tiroteios", diz o diretor-executivo da GVA. "A história se repete sempre que há um caso com grande repercussão: um grupo de congressistas defende regras mais rígidas para a venda de armas, enquanto outro tenta ampliar o acesso, incluindo professores, por exemplo."

Para o especialista, um praticante de tiro esportivo que diz defender "a prevenção contra a violência armada e não o fim do porte de armas", mudanças efetivas na legislação podem ocorrer após novembro, quando os EUA terão eleições legislativas.

"Tudo vai depender da nova composição do Congresso", avalia Bryant.

Cerca de 40% dos americanos dizem ter pelo menos uma arma, aponta um levantamento de 2017 do Pew Research Center. Mesmo que seja difícil saber exatamente quantas armas estão nas mãos de civis ao redor do mundo, pesquisas apontam que os Estados Unidos sejam líderes do ranking, com 270 milhões de unidades.

O debate sobre controle de armas volta à tona sempre que grandes ataques com mortes em são registrados no país.

Uma pesquisa divulgada em fevereiro pela rede CBS News apontou que mais dois terços dos norte-americanos (69%) apoiam leis mais rígidas sobre a venda de armas, enquanto pouco mais da metade (53%) acham que tiroteios em massa continuarão acontecendo no país.

O porte de armas é um dos pilares da Constituição dos EUA. Conforme a a Segunda Emenda do texto constitucional dos EUA, é "no direito das pessoas a manter e portar armas não deve ser violado".

AUTOR: BBC

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

NOS EUA, OS DESENHOS QUE LEVARAM INOCENTE A DEIXAR PRISÃO 27 ANOS APÓS SER CONDENADO POR ASSASSINATO

Talento de Valentino Dixon atraiu a atenção das autoridades prisionais UNIVERSIDADE DE GEORGETOWN

O talento para arte ajudou um presidiário inocente a deixar a prisão após ser condenado injustamente por assassinato nos Estados Unidos.

Valentino Dixon, de 48 anos, estava preso há 27 anos por um crime que não cometeu. E sustentou sua inocência durante todo o tempo em que ficou atrás das grades.

Mas a reviravolta do caso, que levou à revisão do processo e à sua absolvição, só ocorreu depois que sua habilidade para desenhar chamou a atenção de um carcereiro.

Dixon cumpria pena na penitenciária Attica Correctional Facility, em Nova York, quando as autoridades prisionais começaram a observar seu talento.

O diretor da prisão entregou a ele uma fotografia do 12º buraco do clube de golfe Augusta National, no Estado americano da Geórgia, e perguntou se desenharia a paisagem para ele.
'Eu não sabia nada sobre golfe', diz Dixon GOLF DIGEST

"Depois de 19 anos na Attica Correctional Facility, a visão de um buraco de golfe mexeu comigo", disse Dixon.

"Parecia tranquilo. Imagino que jogar (golfe) deve ser muito parecido com pescar."

Com lápis de cor, ele começou a criar ilustrações minuciosas e vivas de várias pontes e canais.

"Eu não sabia nada sobre golfe. Sou da periferia", contou à imprensa local.
A revista Golf Digest publicou um perfil de Dixon, com destaque para suas ilustrações, em 2012 GOLF DIGEST

Os desenhos impressionaram os editores da Golf Digest, que publicaram um perfil do prisioneiro, com destaque para suas obras, em 2012.

"Talvez um dia eu possa jogar o jogo que apenas imaginei", afirmou Dixon no artigo, descrevendo como desenhou paisagens que nunca viu.

A reportagem despertou o interesse de estudantes de Direito da Universidade de Georgetown, que fazem parte do projeto Prisons and Justice Initiative, que oferece representação legal gratuita a condenados e que trabalha pelo fim do encarceramento em massa. Eles decidiram investigar o tema e defender seu caso.
A condenação

Dixon recebeu uma pena mínima de 38 anos de prisão pelo assassinato de Torriano Jackson, de 17 anos, em agosto de 1991, após uma discussão sobre uma mulher em Buffalo, Nova York.

Ele admitiu ter estado no local do crime, mas disse que estava em uma loja próxima comprando cerveja quando ouviu os tiros.

Dixon afirmou que várias testemunhas poderiam confirmar que ele não efetuou os disparos.

Mas seu advogado não acionou nenhuma delas, já que várias foram acusadas ​​de perjúrio (juramento falso).

O detetive do departamento de homicídios também não testemunhou durante o julgamento, algo incomum nesse tipo de caso.

Mas uma falha mais séria no caso foi descoberta pelo grupo de estudantes da Universidade de Georgetown.

Os promotores haviam omitido ao advogado de defesa de Dixon que o resultado do teste de pólvora realizado nas roupas de seu cliente havia dado negativo.
O verdadeiro assassino

Além disso, outro homem, Lamarr Scott, admitiu à imprensa local, apenas alguns dias após o assassinato, que tinha atirado em Torriano Jackson.

"Não quero que meu amigo (Dixon) leve a culpa por algo que eu fiz", disse Scott a um repórter da WGRZ-TV.
Estudantes de direito da Universidade de Georgetown, que trabalharam no caso, cumprimentaram Dixon quando ele foi libertado UNIVERSIDADE DE GEORGETOWN

Mas ele nunca foi preso. O irmão da vítima disse que viu Dixon efetuar os disparos.

De acordo com o jornal Buffalo News, os promotores reconheceram que Scott havia confessado o crime há muito tempo.

"Scott confessou esse crime desde 12 de agosto de 1991", disse a advogada-assistente Sara Dee ao tribunal.

"Ele confessou esse crime mais de 10 vezes."
Absolvição

Scott, que está preso atualmente por outro crime, teve finalmente a chance de confessar formalmente o assassinato de Torriano Jackson perante a Justiça.

Horas depois, Dixon foi solto.

"Eu peguei a arma", disse Scott, agora com 46 anos, ao tribunal de Erie, em Nova York.

"Eu puxei o gatilho e todas as balas saíram. Infelizmente, Torriano acabou morrendo."

Foi o promotor distrital do Condado de Erie, John Flynn - no cargo há menos de um ano - que ordenou uma revisão do caso.

Mas apesar da absolvição de Dixon, os promotores afirmam que ele forneceu a arma do crime, descrita como uma metralhadora.

Eles também disseram que ele era um "traficante de drogas em ascensão" em Buffalo na época da prisão.

"Dixon é inocente do assassinato pelo qual foi considerado culpado, mas levou a arma para a briga."
Quais são os planos de Dixon?

"É a melhor sensação do mundo", disse Dixon, enquanto saía como um homem livre do tribunal, na quarta-feira.

Ele foi recebido pela filha, que era um bebê quando foi preso.

A jovem de 27 anos levou, por sua vez, os netos de Dixon - gêmeos de 14 meses.

Ele disse que espera continuar fazendo ilustrações e, quem sabe, visitar um campo de golfe algum dia.

"Com a mente e corpo intactos, a expectativa é que Dixon viva bons anos pela frente", escreveu a revista Golf Digest na quarta-feira.

"Talvez ele até comece a jogar golfe."

AUTOR: BBC

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

NO RJ, O MISTÉRIO DA MÚMIA DA GALLOTI, QUE INTRIGA ESTUDIOSOS QUASE 70 ANOS APÓS SER ACHADA NO PÃO DE AÇUCAR

Quase 70 anos depois, cadáver encontrado na encosta de um dos mais belos cartões-postais do Rio continua a intrigar montanhistas MIKE EGERTON/PA WIRE

Ela não "provocava transe" em quem se aproximava dela, como a princesa Kherima, nem "batia papo" com o imperador Pedro 2º, como a cantora-sacerdotisa Sha-amun-en-su - ambas parte do acervo do Museu Nacional, que pegou fogo no último dia 2 de setembro. Mesmo assim, quase 70 anos depois de sua "descoberta", a "múmia" da chaminé Gallotti, como ficou conhecida, continua a intrigar alpinistas e estudiosos no assunto.

O mistério teve início na manhã de 19 de setembro de 1949. Lá pelas sete da manhã, cinco amigos - Antônio Marcos de Oliveira, Laércio Martins, Patrick White, Ricardo Menescal e Tadeusz Hollup - se encontram na Praça General Tibúrcio, na Praia Vermelha, Rio de Janeiro, para escalar o Pão de Açúcar.

Não era uma escalada como outra qualquer. Em vez de simplesmente subir o paredão de 396 metros de altura por uma das três vias de acesso já desbravadas, os montanhistas, membros do Clube Excursionista Carioca (CEC), decidiram explorar uma quarta trilha, ainda mais perigosa e arrojada que as anteriores.

"Os conquistadores levaram quase cinco anos para concluir a rota que ficou conhecida como a chaminé Gallotti, em homenagem ao senador Francisco Benjamin Gallotti (1895-1961)", explica Rodrigo Milone, presidente do CEC.

"Durante anos, foi considerada a mais difícil escalada do montanhismo brasileiro."

Ainda na clareira que dá acesso ao paredão, Hollup, então com 19 anos, começou a desconfiar de que algo estava errado quando viu um sapato de mulher, deteriorado pelo tempo, em plena Mata Atlântica.

"Será que, daqui a pouco, vamos encontrar a dona do sapato?", perguntou ele, em tom de brincadeira.

"Mesmo assim, não dei muita importância. Joguei o sapato fora e continuamos a subir", explicou em sua última entrevista, dada ao programa Esporte Espetacular, da TV Globo, em 22 de outubro de 2017.

Tadeusz Hollup, o último dos desbravadores da chaminé Gallotti, morreu no dia 27 de agosto de 2018, aos 88 anos.
Havia um cadáver no meio da escalada

Alguns metros acima, Oliveira, o caçula do grupo, com 18 anos, já desbravava a encosta do morro. Dali a pouco, por volta das 11h30, se deparou com um cadáver, preso pela garganta, numa fenda estreita da rocha, apelidada de "chaminé" pelos alpinistas.

Ao contrário do que se poderia imaginar, o defunto não estava em estado de putrefação e, sim, "mumificado".
Em 1949, grupo de montanhistas encontrou corpo naturalmente mumificado preso numa fenda estreita da rocha CLUBE EXCURSIONISTA CARIOCA (CEC)

"Quando o vento bateu mais forte, o cabelo dele, que era enorme, pousou no meu ombro. Foi aí que vi que era uma pessoa. Fiquei apavorado!", relatou Oliveira no documentário Cinquentona Gallotti (2004), escrito e dirigido por Priscilla Botto e Paulo de Barros.

Na mesma hora, berrou para os amigos: "Ó, tem uma pessoa morta aqui!".

Hollup e Menescal caíram na gargalhada. "Que história é essa?", quis saber Hollup, aos risos.

"Achou a dona do sapato?", fez graça Menescal. Os dois levaram na brincadeira. Mas Oliveira, não. Quando chegaram ao local, tomaram um susto daqueles. A coisa era séria mesmo.

Diante da "descoberta" macabra, os amigos resolveram suspender a escalada e avisar a polícia. A tão sonhada conquista da chaminé Gallotti - proeza alcançada só cinco anos depois, em 1954 - teria que ficar para outro dia.
Corpo pertenceria a um homem com cerca de 35 anos, segundo laudo do legista ARQUIVO CEC/ IVAN CALOU

Na manhã seguinte, os cinco voltaram à Urca, acompanhados de policiais, repórteres e legistas. Munidos de grampos, martelos e brocas, desceram o corpo da "múmia" até a clareira, onde estavam os bombeiros. Naquela época, os escaladores usavam cordas de sisal e coturnos com tachas. Tudo muito rudimentar para os padrões atuais.

A "descoberta" da múmia virou notícia em todos os jornais. Para espanto geral, o laudo, assinado pelo médico-legista José Seve Neto, desfez o mal-entendido: o cadáver não era de mulher, como imaginado inicialmente por causa da vasta cabeleira, mas de um homem.

Segundo a nota publicada na edição do dia 20 de setembro de 1949, do jornal O Globo, os restos mortais pertenciam a "indivíduo de cor branca, com 35 anos presumíveis, de 'compleixão' (sic) franzina e com 1,60 m de altura".

Ainda de acordo com o laudo, o defunto, que vestia um suéter e uma camisa sem mangas de algodão, não apresentava sinais de fratura, nem vestígio de bala ou facada. E o pior: não trazia documentos.
Cadáver teria sido mumificado pela maresia ARQUIVO CEC/IVAN CALOU

"Os legistas concluíram que o cadáver estava lá havia uns seis meses, pelo menos", relata Oliveira.

"Foi mumificado devido à maresia."

O químico Emiliano Chemello, da Universidade de Caxias do Sul (UCS), explica que a maresia pode ter ajudado, sim, na mumificação do cadáver. Isso porque o sal presente nela absorve a água, retardando processo de decomposição do corpo.

"Os antigos egípcios usavam um minério chamado natrão, rico em carbonato de sódio. Eles empacotavam o natrão, em pequenas bolsas, dentro do corpo da múmia, além de jogarem um punhado do minério sobre o cadáver. Quarenta dias depois, o defunto estava encolhido e duro", diz.
Que fim levou a 'múmia' carioca?

Apesar de toda a repercussão nos jornais da época, nenhum amigo, parente ou familiar apareceu no Instituto Médico Legal (IML) para reconhecer o corpo. De quem era o cadáver encontrado na chaminé Gallotti? Ninguém sabe. A identidade da "múmia", sete décadas depois, continua ignorada.
Reprodução da foto dos intrépidos montanhistas anos depois ACERVO DE TADEUSZ HOLLUP

Mas essa é apenas uma das muitas perguntas sem resposta. Outra: como foi parar lá? Há várias hipóteses: de suicídio a assassinato. Para o extinto jornal A Noite, um dos muitos a cobrir o caso, os restos mortais pertenciam a um mendigo que teria se jogado morro abaixo.

Rodolfo Campos, roteirista e diretor do curta A Múmia da Gallotti (2009), tem outra versão: "Por ser um homem vestido de mulher e ter os cabelos compridos, suspeito que fosse um travesti que, talvez, estivesse fugindo de alguém ou tentando se esconder na mata. Mas é impossível afirmar com certeza".

Será que, no fim das contas, o mistério da "múmia" carioca esconde um caso de transfobia?

Há quem sustente, ainda, a tese de que o corpo seria de algum morador de uma favela próxima, localizada entre o Morro da Urca e o Pão de Açúcar.

O historiador Milton Teixeira, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), rebate essa teoria. Ele explica que, naquele local, há uma caverna e que, nos anos 1940, morou ali um português que vivia da pesca e da venda de artesanato. Nos anos 1960, o tal eremita ganhou a companhia de um casal de retirantes cearenses.

"Em 1968, os militares ordenaram a saída dos três e hoje, na caverna, vivem apenas morcegos", arremata o historiador.

Outra pergunta intrigante: que fim levou a "múmia" do Pão de Açúcar? Tudo indica que, a exemplo das peças egípcias que faziam parte do acervo de 20 milhões de itens do Museu Nacional, teve destino trágico. A diferença é que, em vez de ter sido consumida pelas chamas de um incêndio, teria sido sepultada como indigente por falta de documentação e reconhecimento familiar.

AUTOR: BBC

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

RELEMBRE 4 MOMENTOS EM QUE A VIOLÊNCIA CONTRA POLÍTICOS MARCOU OS RUMOS DO BRASIL

Posse de Costa e Silva, após eleições indiretas, pouco mais de dois meses depois do atentado ARQUIVO/AGÊNCIA SENADO

O ataque contra o candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL) não tem precedentes na história recente do país, mas a violência contra políticos marcou diversos períodos da História da República e influenciou os rumos de momentos marcantes da vida política.

Do crime passional que matou João Pessoa, candidato a vice-presidente de Getúlio Vargas, em 1930, e virou estopim para a Revolução de 1930, ao atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, em 1954, episódios de violência política têm e tiveram forte impacto sobre a opinião pública e em diferentes épocas ajudaram a fortalecer figuras e movimentos - ou a demolir reputações.
Bolsonaro sofre atentado durante evento de campanha em Juiz de Fora, Minas Gerais AFP/GETTY IMAGES

"Sobretudo em períodos eleitorais como o atual, a política mexe com a cabeça, mas também com a emoção", diz o historiador e professor Américo Freire, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDPC-FGV).

"Esses episódios ajudam a criar climas, modificar a imagem de pessoas, construir vítimas ou mártires. Todos esses elementos entram no imaginário da população e podem influenciar nas eleições", considera.

Prudente de Moraes assumiu a presidência quando a jovem República brasileira completava cinco anos, em 15 de novembro de 1894. Governou o país durante um período turbulento, que incluiu a Guerra de Canudos - que contrapôs o Exército e os integrantes do movimento popular de fundo religioso liderado por Antônio Conselheiro.

Após o massacre do arraial no sertão baiano e a proclamação de vitória da União, Prudente de Moraes participava de uma recepção a dois batalhões que retornavam de Canudos no Arsenal de Guerra, na atual Praça Mauá, quando sofreu um atentado.
Prudente de Moraes governou o país durante um período turbulento que incluiu a Guerra de Canudos PLANALTO

O soldado Marcelino Bispo de Melo falhou em acertar o presidente e acabou atingindo o então ministro da Guerra, Marechal Bittencourt, que morreu esfaqueado em seu lugar.

O episódio levou o presidente a decretar estado de sítio, adquirindo amplos poderes para governar, e contribuiu para a ascensão da oligarquia cafeicultora na política nacional.
Assassinato de João Pessoa

Candidato à vice-presidência da República ao lado de Getúlio Vargas, o então presidente do Estado da Paraíba - cargo que equivalia ao de governador - foi morto a tiros pelo advogado João Duarte Dantas.

O crime tinha motivações pessoais com pano de fundo político. Opositor de João Pessoa, Dantas tivera seu escritório revirado pela polícia e seus documentos enviados para divulgação na imprensa local, com a anuência de João Pessoa. "O jornal A União, órgão oficial do governo estadual, publicou tudo na primeira página, inclusive cartas de amor, repletas de detalhes eróticos, trocadas entre Dantas e a jovem Anayde Beiriz, uma professora de 25 anos, bonita, solteira, poeta, fumante e feminista. O escândalo foi tremendo e Anayde, devastada, acabaria se suicidando", relatam Lilia Schwarcz e Heloisa Starling em "Brasil: Uma Biografia".

Para defender sua honra, Dantas invadiu a elegante confeitaria Glória, no centro de Recife, e interrompeu o chá de Pessoa com três tiros à queima-roupa. Pessoa era uma figura de prestígio político, sobrinho do ex-presidente Epitácio Pessoa, e o assassinato chocou o país.
'Getúlio e sua campanha foram muito competentes em converter o assassinato em um crime político', diz cientista política PLANALTO

"O assassinato tinha a ver com assuntos do coração. Mas o Getúlio e sua campanha foram muito competentes em converter o assassinato em um crime político", diz Maria Celina D'Araújo, cientista política e professora da PUC-Rio, não descartando que algo parecido possa acontecer com o ataque a Jair Bolsonaro. "Temos um crime que muito provavelmente foi motivado por razões psiquiátricas, um fato isolado cometido por um lobo solitário, mas que pode ser reconvertido no imaginário popular como uma conspiração política", considera.

O corpo de Pessoa foi levado de navio para o Rio, gerando ampla comoção nacional. A Aliança Liberal de Vargas - que se apresentava como oposição a Júlio Prestes, candidato que tinha forte apoio do então-presidente Washington Luís e dos poderosos cafeicultores de São Paulo - definiu o crime como político, atribuindo a culpa a aliados do presidente. O crime foi combustível para a revolta civil e militar que depôs Washington Luís e colocou Getúlio Vargas no poder, na Revolução de 1930.
Atentado a Carlos Lacerda

Conhecido como o "atentado da rua Tonelero", referindo-se ao logradouro em Copacabana onde o jornalista Carlos Lacerda quase foi morto, no Rio, no dia 5 de agosto de 1954, a tentativa de assassinato desembocou em uma grave crise política e militar que culminou com a exigência da renúncia de Getúlio Vargas - e com o seu suicídio no dia 24 do mesmo mês.

Lacerda era inimigo frontal de Vargas. A tentativa de assassinato lhe custou um tiro no pé e tirou a vida do Major Rubens Vaz, seu segurança, agente da Aeronáutica. As investigações do episódio revelaram o envolvimento pessoal do chefe da guarda pessoal de Vargas, Gregório Fortunato, que acabou confessando ser mandante do crime.

"Se a morte do João Pessoa teve uma repercussão direta na Revolução de 1930, o atentado ao Lacerda foi fundamental para fortes mudanças na política brasileira, com Vargas se matando pouco depois", diz Maria Celina D'Araujo.

Atentado do aeroporto dos Guararapes

No dia 25 de julho de 1966, ainda no período inicial da ditadura militar, o marechal Arthur da Costa e Silva chegou ao aeroporto do Recife, em Pernambuco, como parte da campanha presidencial que realizava à época.

Um atentado a bomba no saguão do aeroporto matou duas pessoas, feriu outras 14 e por pouco não machucou o candidato. A bomba foi colocada em uma mala abandonada no saguão, que explodiu ao ser removida por um guarda.
Posse de Costa e Silva, após eleições indiretas, pouco mais de dois meses depois do atentado ARQUIVO/AGÊNCIA SENADO

O jornalista Edson Régis e o vice-almirante Nelson Gomes Fernandes morreram com a explosão.

Por meio de eleições indiretas, Costa e Silva foi escolhido presidente pouco mais de dois meses após o atentado, presidindo o país de 1967 a 1969.

À época o episódio foi considerado um ataque de terroristas, mas historiadores contestam a versão oficial e consideram a possibilidade de o ataque ter sido orquestrado pelos militares para fomentar o medo entre população.

AUTOR: BBC NEWS BRASIL

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

DOENÇA DO SUPER-SONO, 'FUI DORMIR NA SEXTA-FEIRA E SÓ ACORDEI NO DOMINGO'

Para acordar, Lucy precisa de vários despertadores, medicamentos e ajuda de familiares

Muita gente sofre para acordar de manhã. Você acha que teve uma boa noite de sono, mas quando o despertador começa a tocar é muito difícil não desejar 'só mais cinco minutinhos' debaixo do edredom.

Mas para Lucy Taylor, do País de Gales, acordar é ainda mais difícil.

Aos 42 anos, ela precisa combinar medicação, vários despertadores em volume altíssimo e sacolejos de seus familiares para conseguir acordar. Lucy tem uma doença rara chamada hipersonia idiopática.
O que é a hipersonia idiopática?

Esta é uma doença rara que causa sonolência excessiva.

"A doença faz com que eu durma por períodos muito longos - esta é a parte da hipersonia", diz Lúcia. "Já o termo idiopática significa somente que a causa é desconhecida", diz ela.

"Eu costumo ficar muito cansada durante o dia. O sono simplesmente não é revigorante, e é extremamente difícil levantar depois que eu estou dormindo", diz.

"O período mais longo que eu dormi foi da tarde de sexta-feira até a tarde de domingo", diz ela.
Viver com a hipersonia idiopática é uma espécie de tortura, diz Lucy

"Naquele fim de semana não tinha ninguém em casa para me acordar. Cheguei em casa do trabalho na sexta-feira por volta das 17h, me deitei, e quando acordei já era tarde de domingo", detalha Lucy.

A britânica toma de 12 a 15 doses de medicamento por dia, apenas para conseguir acordar de manhã e manter-se de pé durante o dia.
Quais são os sintomas da hipersonia?

Segundo especialistas, esta é uma doença rara, que atinge duas a cada 100 mil pessoas. E sabe-se muito pouco a respeito do distúrbio.

Os sintomas da hipersonia incluem necessidade de cochilar durante o dia, sem sentir-se revigorado depois; pegar no sono com frequência enquanto come ou conversa com outras pessoas; e dormir durante muito tempo à noite mesmo quando você já dormiu durante o dia.

Lucy descreve sua doença como uma tortura.

"É quase como estar debaixo d'água tentando chegar à superfície. Quero ser deixada sozinha e dormir", diz. "É muito difícil lutar contra a necessidade de sono, é muito difícil permanecer acordada e ser uma pessoa funcional", diz ela.
Apoio da família

A doença também cria dificuldades para a família de Lucy.

A mãe dela, Sue, precisa dormir em casa com Lucy durante os dias de semana, para lhe dar a medicação e garantir que ela acorde para ir trabalhar.

"É triste ver Lucy desse jeito. Antes da doença, ela tinha uma boa vida", diz Sue.
A mãe de Lucy, Sue, precisa ficar com ela durante a semana para garantir que ela acorde a tempo de ir trabalhar

"Agora, ela às vezes planeja passar tempo com a filha mas não acorda a tempo. É frustrante para a filha", diz Sue.

"Se eu estiver aqui, consigo acordar ela a tempo para ela fazer as atividades com a filha. É maravilhoso, mas sem ajuda ela não consegue acordar", diz Sue.
'Não é preguiça'

"Ninguém realmente entende a doença. Eles acham que ela está sendo apenas preguiçosa, ou que ela não quer acordar. Não entendem o quanto a vida é uma luta para ela", diz Sue.

Sue admite que acordar sua filha é difícil. "Quando Lucy está dormindo, nada pode acordá-la", diz Sue.

Ela coloca vários despertadores para Lucy, mas eles nem sempre funcionam. Ela, então, precisa falar em voz alta com a filha e chacoalhar o corpo dela até que acorde.
A vontade de seguir em frente

"É muito difícil vê-la vivendo desta forma. É muito triste. Simplesmente não há pesquisa a respeito desta doença", diz a mãe de Lucy.

Apesar do cotidiano ser uma verdadeira batalha, Sue elogia a disposição de sua filha para seguir em frente.

"Ela é muito determinada. É só a força de vontade que mantém ela vivendo, porque é uma doença muito difícil de conviver. Ela também tem sorte de ter uma equipe médica fantástica para ajudá-la", diz a mãe.

AUTOR: BBC

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

SAIBA DA 'GUERRA CIVIL' NA IGREJA CATÓLICA QUE PODE ABALAR PONTIFICADO DO PAPA FRANCISCO

Mulher reza na Basílica de Santa Maria, em Roma; disputa entre alas da Igreja Católica extrapolou corredores do Vaticano para ser travada em público GETTY IMAGES

Uma guerra ideológica que há anos divide a Igreja Católica deixou os corredores do Vaticano nesta semana para ser travada em público.

De um lado, estão o papa Francisco e aqueles que apoiam sua visão de uma Igreja mais liberal em relação a temas como divórcio e homossexualidade. De outro, conservadores que criticam essa tentativa de abertura e temem um enfraquecimento da religião.

O embate ganhou manchetes com a divulgação, no domingo passado, de uma carta em que o ex-núncio apostólico na capital americana, Carlo Maria Viganò, acusa Francisco de ter acobertado crimes sexuais cometidos pelo ex-arcebispo de Washington, Theodore McCarrick, e pede a renúncia do papa.

O documento de 11 páginas, publicado por sites religiosos conservadores nos Estados Unidos, não oferece provas, mas chega em um momento em que fiéis do mundo inteiro estão abalados por sucessivas revelações de abusos sexuais contra crianças cometidos durante décadas por membros do clero em vários países.

A carta foi divulgada enquanto o papa visitava a Irlanda, um dos países afetados. Francisco se reuniu com vítimas e pediu perdão por abusos cometidos por membros da Igreja, ritual repetido em outras viagens. Mas muitos católicos lamentam a falta de medidas concretas e de uma resposta rápida aos escândalos, e alguns chegaram a abandonar a Igreja.

Nesse momento de vulnerabilidade, a sugestão de que o papa seria cúmplice dos abusos pode abalar seu pontificado e expôs as divisões na alta hierarquia da Igreja Católica.

"Essas acusações se tornaram parte de um embate ideológico muito maior. Um dos lados vê Francisco como o papa que finalmente abriu a Igreja a um entendimento mais realista sobre sexualidade, casamento, homossexualidade", disse à BBC News Brasil o professor de teologia e estudos religiosos Massimo Faggioli, da Universidade Villanova, na Pensilvânia.
Acusações contra papa são parte de um embate ideológico dentro do Vaticano GETTY IMAGES

"O outro lado acredita que isso significa o fim da Igreja, e está disposto a fazer qualquer coisa para impedir isso. Mesmo que seja o maior tabu, que é pressionar um papa a renunciar, o que não acontece há seis séculos", ressalta, referindo-se à renúncia de Gregório 12, em 1415.
Oposição

Desde que foi eleito, em março de 2013, o papa é alvo de oposição por parte da ala conservadora da Igreja, tanto dentro do Vaticano quanto entre acadêmicos, que rejeitam o que consideram um afastamento da doutrina e tentam impedir reformas. No ano passado, dezenas de teólogos chegaram a assinar uma carta em que acusam Francisco de divulgar heresias na exortação apostólica sobre a família Amoris Laetitia, de 2016.

O documento, que é uma tentativa de abrir novas portas para católicos divorciados e tornar a Igreja mais tolerante com questões relacionadas à família, representa um sinal claro de dissidência, que reflete o descontentamento dos setores mais conservadores da instituição.

Apesar de não ter adotado mudanças concretas profundas nos ensinamentos da Igreja, o papa defende uma postura menos rígida e em sintonia com atitudes modernas em relação a fiéis que se afastaram da doutrina, demonstrando tolerância a homossexuais e permitindo que católicos divorciados ou casados novamente recebam a comunhão.

Francisco também deu destaque a questões sociais, incentivando os fiéis a cuidar dos pobres, acolher imigrantes e refugiados e combater mudanças climáticas, e rejeitou alguns privilégios do cargo, optando, por exemplo, por não morar no Palácio Apostólico.

Em sua carta, Viganò não apenas acusa Francisco de acobertamento, mas tenta conectar as críticas que conservadores fazem ao papa, especialmente à postura de aceitação de gays - em referência a uma entrevista dada após viagem ao Brasil, em 2013, quando o pontífice disse "Se um gay busca Deus, quem sou eu para julgar" -, aos escândalos de abusos sexuais, afirmando que "redes homossexuais" dentro da hierarquia da Igreja são cúmplices na "conspiração de silêncio" que permitiu que os abusos praticados por McCarrick e outros continuassem.

A sugestão de que homossexualidade e abusos estejam relacionados é amplamente rejeitada por especialistas, mas ainda persiste em algumas alas da Igreja. Apesar de muitos dos abusos terem ocorrido há várias décadas, durante os pontificados dos antecessores de Francisco, opositores ligam a crise à incapacidade do papa de manter sob controle a homossexualidade entre o clero.

McCarrick, que liderou a arquidiocese de Washington de 2001 a 2006, durante os pontificados de João Paulo 2º e Bento 16, renunciou ao posto de cardeal em julho, após acusações de que teria assediado seminaristas adultos e abusado de um menino durante anos. Ele diz que é inocente.

McCarrick havia deixado a arquidiocese ao completar 75 anos, idade em que os bispos católicos são obrigados a apresentar sua renúncia - que pode ser aceita pelo papa ou não -, mas permaneceu no Colégio dos Cardeais, que aconselha o pontífice.
Em momento de vulnerabilidade, a sugestão de que o papa seria cúmplice dos abusos pode abalar seu pontificado e expôs as divisões na alta hierarquia da Igreja Católica GETTY IMAGES

Viganò alega que vários membros do Vaticano sabiam da conduta imprópria do cardeal havia anos. Segundo a carta, depois que McCarrick deixou a arquidiocese em Washington, Bento 16 havia proibido que ele, que ainda era cardeal, oficiasse missas e vivesse em um seminário, entre outras restrições. Mas Francisco, apesar de saber das acusações, teria levantado essas restrições e até permitido que o cardeal ajudasse na escolha de bispos americanos

Os católicos americanos ainda tentam digerir as revelações divulgadas no início de agosto em um relatório da Suprema Corte do Estado na Pensilvânia. O documento acusa pelo menos 300 padres de terem abusado de mais de mil crianças ao longo de 70 anos e líderes da Igreja de terem acobertado os crimes.

Reações

Apoiadores do papa e alguns sobreviventes de abusos questionam a credibilidade das alegações, apresentadas sem evidências, e acusam Viganò de usar o sofrimento das vítimas para avançar sua agenda política e uma vingança pessoal contra Francisco.

Alguns observam que McCarrick apareceu em vários eventos, inclusive ao lado de Bento, no período em que supostamente estaria sob sanções, e lembram que foi Francisco, ao contrário de seus antecessores, que forçou o cardeal a renunciar.

Também ressaltam o fato de os principais nomes criticados na carta serem liberais e aliados do papa, o que levantaria suspeitas de que as acusações têm motivação ideológica.

"Esse documento não tem o objetivo de proteger crianças, e sim atacar o papa e qualquer um associado a ele", disse à BBC News Brasil o pesquisador de estudos católicos Michael Sean Winters, colunista do jornal National Catholic Reporter.

Mas alguns bispos conservadores defenderam o ex-núncio como um homem de princípios. Um deles, Joseph Strickland, de Tyler, no Texas, orientou padres de sua diocese a ler durante a missa do último domingo uma declaração em que afirma acreditar nas alegações.

Um dos principais opositores do papa, o cardeal americano Raymond Burke, ex-arcebispo de St. Louis, disse em entrevista à imprensa italiana que, caso as alegações sejam comprovadas, "sanções apropriadas" devem ser aplicadas.
Carlo Maria Viganò acusa Francisco de ter acobertado crimes sexuais cometidos pelo ex-arcebispo de Washington e pede a renúncia do papa REUTERS

Histórico de polêmicas

Viganò tem um histórico de polêmicas. O italiano de 77 anos trabalhou em missões do Vaticano no Iraque e no Reino Unido, foi núncio apostólico na Nigéria e ocupou altos cargos na Cúria Romana, mas nunca foi promovido a cardeal.

Ele próprio já foi acusado de tentar acabar com uma investigação sobre a conduta sexual de um ex-arcebispo em 2014, segundo documentos relacionados à arquidiocese de St. Paul-Minneapolis. Também foi personagem no escândalo "Vatileaks", em 2012, em que documentos do Vaticano foram vazados, entre ele cartas em que Viganò sugeria que sua transferência para Washington, em 2011, estaria relacionada aos seus esforços contra a corrupção na Santa Sé.

Em 2015, durante a visita de Francisco aos Estados Unidos, Viganò organizou um encontro surpresa entre o papa e uma funcionária pública que havia se recusado a emitir licenças de casamento para casais do mesmo sexo alegando motivos religiosos. O encontro foi visto como um desafio à mensagem de inclusão do papa e obrigou o Vaticano a divulgar uma declaração se distanciando da funcionária. Pouco tempo depois, Francisco substituiu Viganò.

Em sua temporada em Washington, Viganò cultivou relações com setores católicos conservadores críticos do papa, um grupo que Winters descreve omo "pequeno, mas muito bem organizado e muito bem financiado".

Segundo Faggioli, desde o início do pontificado de Francisco, círculos conservadores do catolicismo americano deixaram claro que não gostavam do papa e de suas tentativas de reforma. Ele observa ainda que poucos bispos nos Estados Unidos defenderam o papa após a publicação da carta. "A maioria dos bispos está esperando (para de posicionar)", acredita.

Por enquanto, o papa tem mantido silêncio sobre as acusações de Viganò, limitando-se a dizer que o documento "fala por si próprio". Segundo analistas, o papa não quer dar mais visibilidade a seus críticos.

Mas no avião ao voltar da Irlanda, ao responder a uma pergunta sobre o que pais deveriam dizer a um filho ou filha que revela ser gay, o papa disse: "Não condene. Dialogue, entenda."

Faggioli diz acreditar que a carta de Viganò tem inconsistências e "buracos", mas mesmo assim considera fundamental que o papa e outros líderes católicos respondam a algumas questões, especialmente sobre McCarrick.

"Os católicos americanos, tanto liberais quanto conservadores, querem saber como foi possível que essa pessoa se tornasse um dos mais importantes líderes da Igreja enquanto outros sabiam (dos abusos). Como isso pode acontecer?"

AUTOR: BBC

domingo, 2 de setembro de 2018

ALERTA: AS BOMBAS ESQUECIDAS QUE MATAM MAIS CRIANÇAS DO QUE ADULTOS

A maioria dos civis mortos em 2017 pelas bombas de fragmentação não detonadas no mundo era criança LEGACIES OF WAR

Em março do ano passado, uma menina de dez anos estava a caminho da escola no Laos quando encontrou um objeto metálico redondo e brilhante no chão.

Ela carregou o artefato pelas ruas e levou para uma festa de família em uma pequena vila na província de Xiangkhouang, no norte do país.

O objeto, que ela confundiu com um brinquedo, era na verdade uma bomba lançada no Laos durante ataques aéreos dos EUA entre 1964 e 1973.

E explodiu durante o evento, matando a menina e ferindo 12 de seus parentes – incluindo uma criança de 2 anos e um adulto de 57.
As bombas de fragmentação se parecem com uma bola e são do tamanho de laranjas LEGACIES OF WAR

Longe de ser um caso isolado, o incidente foi um lembrete de quantos civis – grande parte, crianças – são mortos a cada ano por resquícios de bombas de fragmentação lançadas em zonas de guerra em todo o mundo.

Apesar do esforço internacional para proibi-los, esses artefatos ainda são usados em conflitos, como na Síria e no Iêmen, matando centenas de civis.
Erros mortais

As bombas de fragmentação carregam vários explosivos menores que, ao serem lançados, se espalham por uma vasta área, causando um estrago maior que uma bomba convencional.

Mas essa ação indiscriminada significa que 99% das vítimas são civis. E, como alguns artefatos não explodem, permanecendo intactos, acabam matando civis acidentalmente muito tempo depois que as bombas foram lançadas originalmente.
As crianças são especialmente vulneráveis às bombas de fragmentação, atraídas por sua aparência de brinquedo LEGACIES OF WAR

Assim como as minas terrestres, esses artefatos são particularmente perigosos para as crianças, que são naturalmente curiosas e as confundem com brinquedos.

No ano passado, 289 pessoas foram mortas por ataques com bombas de fragmentação e, na sequência, pelos explosivos que não haviam sido detonados, de acordo com o relatório anual do Cluster Munition Monitor.

A maioria das vítimas estava na Síria (187) e no Iêmen (54), onde esses explosivos estão sendo ativamente usados.

O número de mortos foi muito menor do que no ano anterior, quando 857 pessoas foram mortas na Síria, elevando o número total de vítimas para 971.

Segundo o relatório, as bombas "esquecidas" também tiraram vidas no Camboja, Iraque, Laos, Líbano, Sérvia, Síria, Vietnã e Iêmen, assim como nos territórios de Nagorno-Karabakh e no Saara Ocidental.

Mas enquanto as crianças correspondiam a 36% das vítimas em geral, elas representavam 62% dos mortos por dispositivos remanescentes.
Civis ainda são mortos por ataques a bombas de fragmentação, principalmente no Iêmen e na Síria EPA

'País mais bombardeado'

Titus Peachey faz parte de um grupo de estrangeiros que conversou com sobreviventes após a explosão de março de 2017 no Laos.

Ele preside o conselho da ONG Legacies of War ("legados da guerra", na tradução literal para o português), criada em 2004 para buscar uma solução para o problema dos explosivos não detonados após o bombardeio americano.

O Laos detém o título de país mais bombardeado do mundo per capita. Durante a Guerra do Vietnã, os EUA lançaram cerca de 260-270 milhões de bombas em uma "batalha secreta" para combater a insurgência comunista.
Os EUA lançaram cerca de 270 milhões de bombas de fragmentação no Laos TITUS PEACHEY/ LEGACIES OF WAR

Cerca de um terço dos artefatos não explodiu, e apenas uma fração foi removida.

Peachey diz que ainda existem de 75 a 80 milhões de bombas não detonadas espalhadas pelo Laos que precisam ser eliminadas.

Ele contou à BBC que, em sua última visita ao país, ele se encontrou com um homem que perdeu os dois filhos. Eles tinham saído para pegar o búfalo da família e encontraram um artefato intacto.

Apesar dos esforços para educar as crianças nas escolas sobre os riscos desses explosivos – por meio de campanhas, livros didáticos ilustrados e até teatro de marionetes –, ainda ocorrem incidentes fatais.

Área 'contaminada'
Crianças aprendem sobre bombas de fragmentação na escola no Laos LEGACIES OF WAR

O relatório Cluster Munition Monitor de 2018 mostra que 26 países e outros três territórios ainda estão contaminados por resquícios de bombas de fragmentação.

E há uma preocupação especial com os civis na Síria e no Iêmen, onde foi registrado o uso do explosivo recentemente.

Nos últimos cinco anos, 77% das vítimas de bombas de fragmentação em todo o mundo estavam na Síria, onde o governo continuou a utilizar essas bombas com o apoio da Rússia, de acordo com o relatório.

Mas tanto a Síria quanto a Rússia negam deter bombas de fragmentação.

No Iêmen, a coalizão liderada pela Arábia Saudita usou bombas fornecidas pelos EUA em 2017.
Mais de 75% das mortes por bombas de fragmentação nos últimos cinco anos foram registradas na Síria REUTERS

Mas a Cluster Munition Coalition afirma que novos ataques provavelmente não foram notificados.
Convenção da ONU

Dez anos após a convenção da ONU proibir o uso e armazenamento de bombas de fragmentação, 120 países assinaram o acordo – embora nem todos o tenham ratificado.

Juntos, esses países destruíram 99% de seus estoques de armas.

Mas esses esforços são limitados, já que países como os EUA, Rússia, Israel, Paquistão, Índia e Arábia Saudita não fazem parte do acordo.
Há campanhas para limpar as áreas onde há bombas não detonadas no norte do Laos LEGACIES OF WAR

As forças armadas são relutantes em abrir mão do armamento, pois com ele um piloto pode atingir uma instalação militar com apenas uma tentativa – minimizando assim os riscos para o piloto.

Mas, com um histórico que sugere pouca confiabilidade, é provável que essas bombas continuem representando uma ameaça para os civis anos após serem lançadas.

"As bombas de fragmentação representam um perigo extremo para os civis no momento do uso, como os conflitos na Síria e no Iêmen mostram, mas os dispositivos remanescentes também oferecem uma ameaça significativa para os civis muito tempo após o conflito ter terminado, como revelam os casos registrados no Laos e em outros países", diz Jeff Abramson, coordenador do relatório.

AUTOR: BBC

sábado, 1 de setembro de 2018

MARIA BONITA FOI UMA MULHER TRANSGRESSORA, MAS PASSOU LONGE DE SER FEMINISTA, DIZ BIÓGRAFA DA CANGACEIRA

Maria Bonita e o bando de Lampião : ela era considerada a "rainha" do cangaço BENJAMIN ABRAHÃO

Dona de uma "personalidade espevitada", Maria Bonita - que, em vida, era conhecida como Maria de Déa - era uma mulher empoderada, transgressora, bem-humorada e "um tipo meio canalha". Mas apesar de estar "à frente do seu tempo", não se incomodava com a opressão em que viviam suas colegas de cangaço e apoiava que mulheres adúlteras fossem assassinadas.

É assim que a jornalista Adriana Negreiros retrata a cangaceira, que acaba de biografar em Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço (Objetiva). O livro conta a história do cangaço dando destaque às mulheres e aos relatos que fizeram sobre como era a vida no bando de Lampião. "Fui percebendo em conversas com pesquisadores do tema como as histórias delas eram desqualificadas", diz Negreiros.

Maria Gomes de Oliveira (1910 - 1938) era uma dona de casa casada quando começou a namorar Lampião, em 1929, e decidiu juntar-se ao bando no ano seguinte, tornando-se a primeira mulher do grupo. Seria uma das poucas a tornar-se cangaceira por vontade própria - muitas foram raptadas.

Ela acabou morta junto com Lampião e outros membros do bando num ataque das forças de segurança a um acampamento onde pernoitavam. Foi decapitada e, assim como os demais, sua cabeça foi exposta diante da Prefeitura de Piranhas (AL).

O livro também se esforça para desfazer a imagem de Lampião como o "Robin Hood do sertão", disseminada na mídia e por movimentos de esquerda da época. "Ele era aliado dos grandes latifundiários do Nordeste e era amigo de um interventor. O fato de ter passado impune tantos anos se deve à relação que tinha com o poder. Os grandes prejudicados eram os mais pobres."
Livro de Adriana Negreiros quer desfazer a ideia de que Lampião era o 'Robin Hood do sertão' MARCOS VILAS BOAS

Adriana é jornalista e trabalhou nas revistas Veja, Cláudia e Playboy. A seguir, veja trechos da entrevista com a autora:

BBC News Brasil - Como surgiu a ideia de escrever uma biografia de Maria Bonita?

Adriana Negreiros - Sempre tive muito interesse no cangaço. Sou nordestina, do Ceará. Minha família é de Mossoró, a única cidade que conseguiu expulsar Lampião. Isso foi um marco na história do cangaço e é lembrado até hoje.

Assim como muitas mulheres, eu estava vivendo a onda feminista. Minha geração está muito acostumada a ver homens no poder. Muita coisa foi naturalizada e agora estamos questionando. Quis contar a história do cangaço da perspectiva das mulheres. Lampião é uma figura exuberante, mas tinha um monte de mulheres que participaram do cangaço e que foram totalmente ignoradas.

BBC News Brasil - A imagem que tinha dela antes de escrever o livro mudou?

Negreiros - Sim. Tinha uma visão muito mitificada. Quando pensamos nela, imaginamos uma mulher guerreira, que pega em armas. Não sabia que as cangaceiras não pegavam em armas. Havia uma diferença entre o espaço das mulheres e dos homens. Elas tinham uma função doméstica, ainda que não tivessem casa. Quem brilhava no espaço público eram os cangaceiros. Elas eram coadjuvantes. A maioria nem sabia atirar.
Maria Gomes de Oliveira entraria para a história como Maria Bonita BENJAMIN ABRAHÃO

BBC News Brasil - Em que sentido diria que ela foi uma mulher transgressora?

Negreiros - Diferentemente da maioria das cangaceiras, ela entrou para o bando porque quis. Era empoderada para seu tempo e para aquele lugar. Vivia no sertão, nos anos 1920. Era uma mulher casada, de quem se esperava obediência ao marido. O Código Civil da época previa isso - a mulher precisava de autorização do marido para trabalhar. No entanto, ela era muito infeliz no casamento. O marido era um fanfarrão, não era presente, nem muito viril. Ela se sentia sexualmente insatisfeita com ele. Há indícios de que ela tinha um amante.

Quando ficava de saco cheio do marido, não ia chorar pelos cantos, ia para o forró, dançar. Tinha uma personalidade mais espevitada mesmo. Ela era transgressora do ponto de vista do comportamento, era corajosa nesse aspecto. Era muito bem-humorada, não estava nem aí para o pensassem dela. Não se levava a sério. Se quisessem caçoar dela, ela estava pouco se lixando. (...) Ela falava alto, ria muito, era um tipo meio canalha, gosto disso nela.

Dadá (a cangaceira Sérgia Ribeiro da Silva) também é muito interessante. Foi raptada (pelo cangaceiro Corisco), mas mais tarde disse que o amava. Acho que era uma estratégia de sobrevivência. Se adaptou à situação. Isso deu a ela um papel de protagonismo. Os homens a obedeciam, mas não achavam aquilo muito certo. Mas ela foi uma sobrevivente.
Dadá e Corisco: A cangaceira foi raptada e estuprada por ele. Com o passar dos anos, foi adquirindo papel de liderança no grupo BENJAMIN ABRAHÃO

BBC News Brasil - Por um lado, Maria Bonita agiu a favor da própria liberdade. Por outro lado reproduzia o machismo violento dos homens. Dá para dizer que ela era feminista?

Negreiros - Não. Era transgressora, à frente do seu tempo, mas não tinha consciência política, de gênero. Não se mostrava incomodada com a situação de opressão contra as mulheres. O conceito de sororidade passava longe ali. As mulheres não protegiam umas às outras.

O código de conduta era totalmente machista. Uma mulher que cometesse um adultério era morta; o homem, não. As mulheres até incentivavam que as outras fossem punidas. Havia suspeita de que (a cangaceira) Cristina, por exemplo, tivesse um caso com outro cangaceiro. Maria foi uma das que mais apoiou que ela fosse morta, como ela de fato foi.
A cangaceira Cristina, que foi morta por suspeita de traição; Maria Bonita defendia que ela fosse executada BENJAMIN ABRAHÃO

BBC News Brasil - A imagem que se tem dela é que entrou para o cangaço por amor a Lampião. Acha que foi isso mesmo que a motivou?

Negreiros - Amor é demais. Nem conhecia bem ele. Mas ele era a grande celebridade naquela época. Era um astro, um machão, tinha dinheiro, era um valentão. Do lado dele ela se sentiria segura. Isso tudo a atraiu.

(O escritor) Ariano Suassuna fala que eram figuras extraordinárias, almas grandes. Ele tem admiração especialmente pela Maria. Ele fala que acha que ela se apaixonou por um cara que era um rei, um homem que iria salvar ela daquela vidinha pequena, de um marido que não dava conta do recado, que não dava atenção a ela. Uma vida à mercê de uma série de violências. Viu a possibilidade de segurança e notoriedade ao lado dele. Isso foi virando um sentimento que podemos chamar de amor. Era uma relação afetuosa.
Um raro caso de foto espontânea do casal: a imagem de Maria penteando os cabelos de Lampião foi registrada durante a filmagem de um documentário sobre o cangaço BENJAMIN ABRAHÃO

BBC News Brasil - Você diz no livro que, durante a pesquisa, viu que os relatos das mulheres sobre o cangaço eram constantemente questionados. Como era isso?

Negreiros - Isso me chocou muito. Fui percebendo em conversas com pesquisadores do tema que as histórias delas eram desqualificadas. Muitas delas entraram no cangaço não porque quiseram, mas porque foram obrigadas. Foram raptadas. Não foi uma opção. Eu comentava com as pessoas essas questões que muito me chocavam - de abandono dos filhos, por exemplo (após darem à luz, mulheres do cangaço eram obrigadas a entregar os filhos para outras famílias) - e ouvia as pessoas relativizando, dizendo "será que foi isso mesmo"?

Dadá, por exemplo, foi raptada pelo Corisco, mas as pessoas diziam que não era bem assim. Eu pensava "como uma menina de 12 anos vai escolher ser raptada, estuprada e ir morar no mato, passando fome e sede, sem nunca mais ver os pais?".

Quer dizer, mesmo quando elas têm voz (Dadá deu muitas entrevistas depois de deixar a prisão), a voz delas é silenciada, sobretudo quando diz respeito a violências que sofreram. Essa é uma lógica que persiste até hoje.

BBC News Brasil - E muitas delas eram ignoradas nas narrativas da época...

Negreiros - Sim. Li praticamente tudo que foi publicado sobre o cangaço. Tem muita coisa escrita por pessoas que viveram o cangaço. Nos relatos, as mulheres sempre são tratadas de uma forma meio escrota. Fui juntando tudo, um trabalho de garimpo, mesmo.

BBC News Brasil - Deve ter sido difícil juntar tudo e fazer um retrato da Maria. Fez uma interpretação própria?

Negreiros - Sim. As questões que me incomodaram acabaram conduzindo o trabalho, especialmente essa questão do descrédito. Resolvi assumir a versão delas.

BBC News Brasil - É isso que quer dizer quando fala que o livro é feminista?

Negreiros - Sim, quis olhar pelos olhos das mulheres, acreditar na versão delas. Também tentei deixar muito claro as estruturas de opressão que atuavam no cangaço.
As cangaceiras Nenê, Maria Jovina e Durvinha BENJAMIN ABRAHÃO

BBC News Brasil - No imaginário coletivo, cangaceiros são vistos como Robin Hoods do sertão. O livro faz questão de desmontar isso.

Negreiros - Movimentos sociais tentaram vê-los como revolucionários, como se tivessem consciência da distribuição equivocada da propriedade privada, mas não tinham. Lampião queria ser coronel. Ele falava nas entrevistas "quero ser fazendeiro, governador". Não queria organizar um movimento de camponeses oprimidos. Essa é uma ideia equivocada.

Os pobres ficavam no meio do fogo cruzado. Eram vítimas dos cangaceiros e das forças volantes (polícia). Não tinham para onde correr. Uma pessoa que tivesse sua casa visitada por cangaceiros tinha que obedecer e depois passaria a sofrer represália da polícia porque era "amiga de cangaceiro". Não tinha isso de que distribuíam dinheiro. Eventualmente, Lampião fazia agrados porque era um gênio das relações públicas, mas era para ter simpatia de determinada região e ser protegido.

Nos filmes há imagens deles entrando nas cidades e jogando coisas para o alto. Eles podiam até fazer isso, entrar tirando coisas do corpo, mas era pra se livrar de peso. Lampião não tinha a menor consciência de classe. Não tenho dúvida de que, se tivesse um aliado que fosse um grande latifundiário e que tivesse um problema com um pequeno produtor, ficaria do lado do latifundiário. Não diria (vou ficar do lado dos) "meus colegas pobres, oprimidos". Além disso, era um cara racista. Odiava negros.

BBC News Brasil - Por que a esquerda não via isso?

Negreiros - Não é tão preto no branco. Apesar de Lampião ser aliado dos latifundiários, de o cangaço ser um banditismo rural, é um movimento de insurreição.

Hoje, o sertão é região esquecida. Imagine naquela época. Ninguém tinha olhos para o sertão. A vida do sertanejo não era fácil. A perspectiva era ter uma plantação, torcer para que chovesse. Uma vida condenada àquilo. Ou (a pessoa) se conformava de que aquela era sua sina ou se rebelava contra isso. De alguma maneira, o cangaço tem na sua gênese certo componente de insurreição.

Frederico Pernambucano de Mello (pesquisador do cangaço) chama de "irredentismo". A coisa do "vou ser meu próprio rei, farei meu próprio destino". Isso não torna as coisas muito claras. Não é fácil perceber onde começa a questão social e termina a necessidade de ficar rico ou o desejo de ser maioral do sertão.
"Apesar de Lampião ser aliado dos latifundiários, é um movimento de insurreição", diz a biógrafa BENJAMIN ABRAHÃO

BBC News Brasil - No livro, você narra estupros, mulheres que eram marcadas como vacas só por usarem cabelos curtos, assassinatos por motivos fúteis, capação. O grau de violência que eles cometiam te surpreendeu?

Negreiros - Sim, surpreendeu. Era uma coisa patológica. A região é muito violenta e era uma coisa muito naturalizada. Em relação às mulheres, eram tratadas como propriedade, como se fossem vacas. Teve uma cangaceira que depois de morta teve a vagina arrancada. O cangaceiro ficou carregando aquilo na bolsa.

BBC News Brasil - Viu paralelos com o Brasil de hoje?

Negreiros - Me parece ter certa semelhança com tráfico de drogas no Rio. A política do terror inspira confiança por meio do medo. Ao mesmo tempo, espalha o terror. E na ostentação também. Não faziam questão de se esconder. Traficantes também estão sempre muito armados, com ouro. É um poder paralelo. E as pessoas recorriam aos cangaceiros para resolver conflitos, às vezes até antes de procurar a polícia. A corrupção policial - os policiais vendiam armas para cangaceiros.

AUTOR: BBC

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

NOS EUA, HOMEM QUE PASSOU 17 ANOS NA PRISÃO CONFUNDIDO COM SÓSIA PEDE INDENIZAÇÃO MILIONÁRIA

Richard Anthony Jones (à dir.) passou 17 anos na cadeia e sempre se disse inocente da acusação de roubo. Ele foi solto depois que descobriu ter um 'sósia', Ricky, que poderia ter cometido o crime (Foto: Kansas City Police Department)

Há quase duas décadas, Richard A. Jones foi condenado a 19 anos de prisão pelo roubo de um celular no estacionamento de um supermercado Walmart, no estado do Kansas, nos Estados Unidos.

Na época, ele foi identificado por testemunhas como o autor do crime. Mas Jones sempre se disse inocente e, enquanto cumpria a pena no Lansing Correctional Facility, ouviu de outros presos que se parecia muito com um homem chamado Ricky, que também cumpria pena.

Essa semelhança eventualmente garantiria a ele a liberdade. No ano passado, um juiz anulou a condenação de Jones depois que as fotos dos dois homens foram colocadas lado a lado. Ao ver as imagens, as testemunhas originais do caso disseram que não conseguiam ver diferença entre as duas pessoas.

Jones conseguiu sair da cadeia, mas só 17 anos depois de ter entrado pela primeira vez no presídio de Lansing. Por isso, ele quer reparação.

Nesta quarta-feira, o americano entrou com uma ação no Distrito Judicial de Kansas exigindo US$ 1,1 milhão (cerca de R$ 4,6 milhões) em compensação do Estado - cerca de US$ 65.000 para cada um dos 17 anos que passou na prisão por um crime que diz não ter cometido.
As fotos dos dois homens foram mostradas às testemunhas, que disseram não conseguir diferenciar as duas pessoas (Foto: Kansas City Police Department)

Quando foi condenado, Jones tinha 25 anos e era pai de duas crianças pequenas. Hoje, ele tem mais de 40 anos e as filhas têm 24 e 19 anos.

"Uma boa parte da minha vida foi tirada de mim e eu nunca poderei voltar no tempo", afirmou ele, em entrevista na quinta.

"Naquela época, eu estava tentando ser responsável como pai. Eu não era perfeito, mas fazia parte da vida delas. Foi muito difícil ficar preso, porque eu estava acostumado a estar presente na vida das minhas filhas."

'Agulha no palheiro'

Na época em que descobriu o "sósia" e foi solto por decisão da Justiça, Jones declarou à imprensa que a descoberta foi como "achar uma agulha no palheiro".

"Eu não acredito em sorte. Acredito que fui abençoado", afirmou ao jornal local Kansas City Star.

O sósia nega que tenha cometido o crime de roubo pelo qual Jones foi condenado. Ao liberar Jones da prisão, o juiz não culpou Ricky pelo roubo, apenas disse que, com base na nova evidência, nenhum juri "sensato" o teria condenado.

Antes da descoberta do sósia, Jones havia recorrido sem sucesso da condenação pelo roubo de 1999. "Todos os meus recursos tinham sido negados", disse.
Richard Jones comemorou a soltura, no ano passado, com os familiares. As duas filhas dele eram crianças quando ele foi preso (Foto: Gofundme)

Em 2015, porém, ele contou sobre a semelhança com Ricky a pesquisadores do Midwest Innocence Project - um grupo que tenta ajudar pessoas que possam ter sido condenadas por engano. Advogados que atuam nessa ONG se interessaram pelo caso e ajudaram Jones.

'Tudo fez sentido'

"Quando eu vi a foto do meu sósia, tudo fez sentido para mim", ele diz. Jones havia sido condenado com base apenas em evidências de testemunhas.

Não havia DNA ou impressão digital que o ligasse ao crime. Os pesquisadores descobriram que outro homem não apenas era "igual" a Jones, mas também morava perto da cena do crime, no estado do Kansas, enquanto Jones morava no estado vizinho de Missouri.

Advogados de Jones também disseram que ele estava com a namorada e a família dela no mesmo momento em que ocorreu o roubo de celular. Eles argumentaram ainda que os métodos de identificação usados pela polícia há 17 anos eram falhos.

AUTOR: BBC

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

MICHAEL JACKSON, E AS SUAS DUAS MORTES


Los Angeles, USA - June 24, 2011: The Michael Jackson star on the Hollywood Walk of Fame. Located on Hollywood Boulevard and is one of 2000 celebrity stars made from marble and brass. (LPETTET/iStock)

Michael Jackson morreu pela primeira vez no meio dos anos 70. Ele mesmo conta: “Estava saindo do aeroporto quando uma mulher reconheceu meus irmãos. ‘Ai, meu Deus! O Jackson Five!! Cadê o Michael? Cadê o pequeno Michael?’ Aí alguém apontou: ‘Olha ele aí’. E ela: ‘Ugh… O que aconteceu?’ Quase morri ali…”

O maior astro mirim da história, o garoto de carisma magnético que colocou seus quatro primeiros singles no topo das paradas, o menino fofo não existia mais. No corpo que um dia foi da criança prodígio, insanamente precoce, assumiu um jovem precocemente insano, que, de certa forma, nunca conseguiu fazer a transição entre a infância e a vida adulta.

Mulher do aeroporto à parte, o rapaz era até bonito aos 15, 16 anos. E não tinha ficado menos famoso: começava a construir uma carreira como cantor adolescente e continuava frequentando o topo das paradas. Mas se achava horrível. Queria era se livrar das espinhas (tinha muitas mesmo), do nariz gordo e voltar a ser o pequeno Michael.

É impossível entender o que se passava na mente dele sem analisar esse momento de sua vida. Um momento que, se é difícil para qualquer um atravessar, foi uma muralha para Jackson.

Não existem diagnósticos prontos que expliquem por que o ídolo desfigurou o rosto, inventou mentiras absurdas (como insistir que só fez plásticas no nariz) e se envolveu naqueles escândalos todos.

Mas por trás de tudo isso há um ponto em comum bem claro: a obsessão por voltar a ser criança. O menino tão talentoso aos 11 anos, parecia um adulto baixinho de 20, acabou se transformando anos na maturidade em uma figura infantilizada, que dizia ser o próprio Peter Pan (o personagem que nunca cresce).

Não parecia fazer sentido. É que não muito tempo depois do episódio da mulher do aeroporto, Michael começou sua escalada rumo ao auge. Um auge que faria o garotinho do Jackson Five parecer realmente minúsculo.

Foi aos 21, em 1979, que lançou Off the Wall, seu primeiro disco solo realmente criativo. O álbum vendeu 10 milhões de cópias e garantiu a Jackson o Grammy de melhor cantor de rhythm and blues. Só que Michael achou pouco. “Ele jurou que seu disco seguinte faria com que todos reconhecessem sua genialidade”, registrou a revista Rolling Stone.

E fez mesmo. Em Thriller, de 1982, ele fundia rock, jazz, funk, rhythm and blues e mais alguma coisa que ninguém sabia. E o resultado foi uma revolução sonora que só tem paralelo em clássicos como Sgt. Pepper, dos Beatles.

O ponto mais alto dentro desse ponto mais alto veio em março de 1983, quatro meses depois do lançamento de Thriller. Michael se apresentou num especial de TV que celebrava os 25 anos da Motown, a gravadora do começo de sua carreira. Primeiro, subiu no palco com os Jackson Five. Cantou um medley de clássicos do grupo com a voz tão suave quanto a da infância, mas dançando bem melhor e interpretando a música com mais energia, mais confiante do que nunca.

Não tinha o que melhorar, pensavam as 47 milhões de pessoas que assistiam ao especial pela TV. Para Michael, porém, ainda faltava uma coisa: mudar o mundo.

Quando acaba a sessão retrô, com o público em êxtase, Michael cumprimenta os irmãos, diz que a história deles foi muito bonita, que tem um carinho enorme pelo passado, mas que a fila tem que andar. As coisas mudam. Então coloca um chapéu, vira de lado e, no lugar das baladinha dos Jackson Five, entra o pancadão do Jackson One: a bateria e o baixo pesados, quase heavy metal, que introduzem Billie Jean.

Sua dança agora não é mais perfeita. É de outro planeta: um balanço de Elvis Presley, com as pernas flutuantes de um Fred Astaire e mais alguma coisa que ninguém sabia o que era. Ninguém mesmo: era a primeira vez que ele fazia o moonwalk, o truque de andar para trás fazendo os movimentos de andar para a frente, numa junção de técnica de dança e de ilusionismo.

Ao emendar Jackson Five com uma das músicas mais sanguíneas de sua carreira, Michael Jackson mostrava que tinha transformado o menino prodígio não num adolescente desajeitado, mas num homem genial, capaz de compor tanto obras palatáveis quanto trabalhos à frente de seu tempo. 

Naquele momento, Michael chegava a um pico de estrelato onde só Frank Sinatra, Elvis Presley e os Beatles tinham estado antes – ou, quem sabe, que nem eles alcançaram.

Àquela altura, aos 24 anos, Michael não tinha mais nada do “adolescente feio”. As espinhas tinham ido embora havia tempo, ele já tinha passado a faca no nariz de que não gostava e dado mais uns tapas aqui e ali no rosto. Além do mais, estava feliz com o sucesso, com o dinheiro. Agora sim: se melhorasse, estragava. O problema é que melhorou.

Michael passou os anos após Thriller sendo premiado, adulado e ganhando os tubos. Mas isso lhe ensinou algo duro de engolir: que nem o topo do mundo podia livrá-lo de seus fantasmas.

A raiva por ter passado a infância praticamente em regime de trabalho forçado (e põe forçado nisso, já que inclui surras de corrente do pai tirânico) continuava lá. Sua vida sexual, como vamos ver depois, ainda não existia – qualquer coisa relacionada a isso continuava um mistério para ele.

Será que ele quis virar criança de novo para enterrar esse problema? Seja como for, a solução não estava no topo do mundo. Para piorar, sua paranoia com a aparência conti­nuava a mesma da época da mulher do aeroporto.

E agora, Michael? Bom, agora, com mais fama, recursos financeiros e mais admiradores que qualquer um poderia ter nesta vida e nas próximas mil, Michael resolveu solucionar seus problemas do mesmo jeito que obtinha qualquer coisa que quisesse naqueles dias: num estalar de dedos.

O problema era a falta de beleza? Beleza: tome uma plástica atrás da outra. Aí pobre do nariz de Michael. Se já tinha ficado mais fino, acabou talhado até a não existência.

O conjunto não ficou muito bom? Então bota uma covinha de Michael Douglas no queixo, emoldura com um maxilar de superman… Nada que o dinheiro não possa resolver.

E, para embalar tudo, uma pele nova. Michael mantinha em casa réplicas de quadros renascentistas, em que ele aparecia na forma de santo. Branco como leite. Ou melhor: como qualquer santo de pintura renascentista. Mesmo assim, ele negava que ostentar uma pele totalmente alva era seu ideal de beleza.

Essa mania de negar, aliás, é mais um dos aspectos que marcaram os mistérios da vida de Michael. Talvez por estar sempre cercado por aduladores prontos para concordar com qualquer coisa que dissesse, ele não respeitava os limites do bom senso na hora de se explicar para a imprensa (e para os fãs). E mentia, mentia e mentia.

Mesmo quando algumas verdades estavam, literalmente, na cara. A ver: Michael diz que só fez duas operações plásticas, no nariz. E que nem foi por beleza, mas para “respirar melhor e alcançar notas mais altas enquanto cantava”. Enquanto isso, cirurgiões estimam que ele tenha feito mais de 50 intervenções.

Com os filhos pode ter sido a mesma coisa. Todos desconfiaram quando viram que os dois mais velhos eram tão brancos quanto a família real da Suécia. Não que fosse impossível para um negro como Jackson ter filhos claros. Se ele tivesse 500 crianças com Debbie Rowie, duas ou três sairiam muito brancas e outro par com a pele bem escura. Mas a imensa maioria seria mestiça. É um princípio básico da genética. Como o casal só teve dois e ambos vieram leitosos, estávamos diante de um absurdo estatístico.

Michael disse até o fim que os dois eram dele e ponto final. Mas alguns dias após sua morte Debbie veio a público para dizer que não: O pai verdadeiro das crianças foi outro doador de esperma. O motivo para Jackson não ter usado suas próprias células reprodutoras para inseminar Debbie continua obscuro. E o que Michael menos fez ao longo da carreira foi responder.

Ainda em 1983 seu agente concluiu que ele não se comunicava bem com a imprensa. Não era uma imagem condizente à de líder de gangue com que aparecia nos clipes – e com a de semideus com que aparecia nos palcos. Então ele proibiu Michael de dar entrevistas.

Sem ter como falar com o ídolo, jornais e revistas se refestelaram com uma infinidade de absurdos: alguns, quase verdade; outros, pura mentira. Foi noticiado, por exemplo, que Michael tentou comprar do Museu Britânico os ossos, roupas e objetos de John Merrick, o infeliz e deformado Homem-Elefante. Que ele tem uma parte de seu nariz, extirpada nas cirurgias plásticas, depositada em uma jarra em seu banheiro. Que ofereceu US$ 50 mil pelo apêndice recém-removido do papa. Que tinha acima de sua cama uma pintura retratando suas 6 celebridades preferidas: Mona Lisa, George Washington, Abraham Lincoln, Albert Einstein, ele próprio e E.T., o extraterrestre. Que ele mantinha dois manequins vestidos de guarda à porta de seu quarto para impedir a entrada de fantasmas. E por aí vai.

O quanto disso faz parte do Michael real e pode ajudar a entender sua personalidade? Mais uma coisa que só ele poderia ter dito.

A face mais estranha do ídolo, no entanto, era mesmo parte do Michael real. Hora de voltar aos problemas sexuais do artista. Uma das poucas vezes em que entrou no assunto foi na entrevista ao repórter Martin Bashir, em 2003.

O inglês perguntou como foi a primeira vez em que Michael saiu com uma garota. E a resposta surpreendeu por não ser exatamente uma resposta. Michael contou que foi aos 17 anos, com a atriz Tatum O’Neal. Disse que a moça o chamou para o quarto, deitou-o na cama e começou a desabotoar a camisa dele devagarinho.

“Entrei em pânico”, disse Michael. E mandou a menina parar. Ela tinha só 12 anos e, depois, diria que de jeito nenhum teria tentado “estuprar” Michael, ainda mais porque era uma criança. Não foi o que ficou na cabeça de Jackson, uma cabeça que, pelo jeito, não sabia lidar com sexualidade. Ninguém sabe, por exemplo, quando ele teria perdido a virgindade. Uns dizem que foi só aos 32 anos. Outros, que nunca. Mas são só rumores.

Sua relação anormal com crianças, porém, era mais do que rumor. Michael sempre recebia crianças em Neverland, sua mansão/parque de diversões. E assumiu que dormia com garotos no mesmo quarto – sem sexo, mas dormia. Jackson chegou a defender que tinha todo o direito de fazer guerras de travesseiro de madrugada com meninos de 12 anos quando tinha mais de 40. “Todo mundo deveria fazer isso”, chegou a dizer. Nunca um astro tinha dito algo tão na contramão das regras básicas da sociedade. Mas Jackson bateu o pé.

Como isso pôde acontecer? O sociólogo britânico Chris Rojek, autor de uma pesquisa sobre celebridades, vai direto ao ponto: “Por serem venerados e aclamados como são, ídolos pop gra­dualmente param de sentir a necessidade de obedecer às regras dos homens e mulheres comuns”. O conceito básico para entender como isso acontece é o narcisismo. Narcisista é a pessoa que acredita ser a razão de existência do mundo. Todos passamos por isso. É um momento fundamental de nossa vida para que tenhamos noção de nós mesmos. Mas isso acontece quando temos entre 3 e 4 anos. Para a maioria, essa fase passa, mas deixa heranças: “Passamos a vida inteira administrando o desejo de voltar a ser o centro do mundo”, diz o psicanalista Sergio Wajman, da PUC-SP.

Mas como uma pessoa como Michael Jackson vai administrar esse desejo? Qual é o limite entre certo e errado para alguém com tanto poder e tantos fantasmas para matar? Para Wajman, pouco, ou nenhum: “O narcisismo é um fenômeno no qual o limite não existe. Um narcisista exacerbado não se considera uma pessoa comum. Para ele, vale mais a lei de seu desejo que a lei dos outros”.

Essa falta de limites que podia parecer normal para o antigo habitante da Terra do Nunca virava um exagero descabido no mundo real. Para os acusadores de Michael, o buraco de Neverland era mais embaixo. A tese deles é que Jackson montou o lugar para que fosse um harém. Ele agenciaria crianças que tentavam um lugar ao sol em Hollywood, convenceria os pais de que uma amizade com ele abriria portas e se aproveitaria entre uma e outra guerra de travesseiro. Quem defende Jackson diz que ele só queria mesmo a companhia das crianças. Que, no fundo, era uma delas. Mas só uma coisa é fato: Jackson foi absolvido pela Justiça. Nunca houve prova de que ele tenha abusado de algum menino.

Só que as acusações foram o suficiente para torná-lo mais recluso, mais dependente de remédios, mais distante da divindade que surpreendeu o mundo naquele show da Motown e em tantos outros. Muitos apostavam que, quando Michael morresse, seria lembrado não pela sua música, mas por suas bizarrices. Diziam que os escândalos apagariam seu legado. Mas o que aconteceu no mundo a partir do dia 25 de junho de 2009 provou que eles estavam errados. A obra de Michael Jackson venceu tudo. Inclusive as armadilhas de sua mente.

AUTOR: SUPERINTERESSANTE

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