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sábado, 13 de junho de 2015

OLHOS DE ANJO

“Anna, acorde… Meu anjo está aqui!”“O que?” Eu abri os olhos lentamente e encarei meu irmão, ou pelo menos tentei, mas ele estava com uma lanterna ligada e apontada diretamente para o meu rosto.

Eu apenas o mandei de volta para a cama dele naquela noite, nem me dei o trabalho de olhar. Aquele foi o maior erro que eu cometi.

Minha mãe sempre foi “abusiva”… Se é assim que posso dizer. Ela sempre gritou com a gente e ás vezes nos batia e usava palavras não muito recomendadas para crianças, e mesmo nos agredindo com a mesma freqüência, não era aquilo que nos incomodava… A tortura que ela fazia era muito mais mental do que física.

O pior dia foi quando o Brian deixou nosso cachorro sair. Ele havia ganhado o cachorro no aniversário de sete anos, não tínhamos nem sequer dado um nome a ele. Ele disse que seria “legal” se o cachorro saísse para conhecer um pouco o lugar, e o cachorro foi atingido por um carro assim que saiu de casa.

Minha mãe arrastou Brian até a rua e o obrigou a olhar para o cachorro, e então, o jogou no chão e o deixou lá, chorando. Ela subiu as escadas e se trancou no quarto, e só mais tarde, desceu as escadas com a roupa do trabalho e disse que eu deveria ficar de olho nele, pois ela trabalharia para uma amiga e só retornaria de manhã.

Ela saiu sem dizer nenhuma outra palavra.

Eu saí e pedi para que ele entrasse, ofereci sorvete. Ele encarou o cachorro morto por outro longo minuto, ainda chorando, e depois de um tempo ele entrou na casa em silencio.

Eu não consegui conversar com ele naquela noite, ele apenas sentou no sofá e ficou encarando os desenhos animados na TV – eu tive que ligar a TV já que fiquei cansada de encará-lo em silêncio – e depois de um tempo, eu fui até meu quarto conversar com minha amiga Lisa por um tempo… Quando voltei, Brian não estava no sofá, eu o procurei e entrei em pânico por alguns minutos, foi aí que ouvi a voz dele.

Ouvi calmamente e parecia vir de fora da casa, ele estava sentado perto do cachorro novamente, olhando para a sua direita, como se estivesse conversando com alguém mais alto do que ele.

Aliviada, mas ainda com raiva, eu fui até ele.

“Brian, o que você acha que está fazendo?”

“Desculpa… Eu vi… Tinha uma moça perto do cachorro, ela disse que era um anjo, e disse que ia ajudá-lo.”

“Você não pode ver anjos, eles não exist –… Eles são invisíveis. Eles nos observam, mas são tipo neblina ou algo assim.”

“Não são, não, eles são brancos.”

“Sim, é… mas… Ah, tanto faz. Entra, você precisa dormir.”

Ele vestiu o pijama e eu nem me dei o trabalho de mandá-lo escovar os dentes ou tomar banho, eu tinha apenas treze anos, não ia forçar ele a fazer nada. Brian e eu dividíamos o quarto, e eu odiava isso, então, fui dormir no quarto da minha mãe até a hora que ela voltasse (três da manhã) e me puxasse pra fora da cama dela.

Quase dormindo e tropeçando nos meus próprios pés, eu voltei para a minha cama, e no caminho, ouvi a voz de Brian novamente.

“É bonito aí?”

Eu parei imediatamente e escutei, eu achei que ele estivesse no telefone com alguém, mas ele era proibido de ligar para os amigos tão tarde assim… Também percebi que a luz estava ligada.

“Parece legal, mas o cachorro está morto. Ele se machucou bastante, como ele pôde ficar feliz? Ele não vai ficar triste para sempre?”

Ele parou de falar por um momento.

“Oh, entendi. Eu acho. Você pode me contar mais coisas sobre o céu?”

Continuei escutando por outros cinco minutos, mas ele não disse mais nada. Eventualmente, a luz foi apagada e eu entrei no quarto lentamente e o encontrei na cama, fingindo que estava dormindo ou… realmente dormindo.

Ignorando ele, fui até minha cama e voltei a dormir.

Na manhã seguinte, Brian tinha várias histórias pra contar, ele não calava a boca nem por um segundo enquanto nós íamos para a escola.

“E existem essas flores bonitas que são maiores do que eu, e animais em TODO lugar, porque todos os animais acabam lá, assim como o meu filhote. Ah!! E o meu filhote, ele não está sofrendo nem sequer um pouco, ninguém se machuca quando vai pra lá, nada nunca machuca e–”

Minha mãe o interrompeu, enquanto descia as escadas. “Meu Deus do céu, será que dá pra calar a boca, garoto? Eu juro por Deus se você falar mais alguma coisa sobre céu ou paraíso eu vou te mandar pra lá.”

Brian ficou em silencio e minha mãe fez café para ela, um momento depois, apontou a caneca para a garagem, sugerindo que entrássemos no carro.

Nós entramos.

No caminho para a escola, todo mundo estava em silencio, até que Brian resolveu falar sutilmente: “ela disse que você não deve usar o nome de Deus daquele jeito.”

“O que você acabou de dizer? Pelo amor de Deus, garoto!”

Brian explodiu. “VOCÊ NÃO PODE USAR O NOME DE DEUS DESSA MANEIRA!!!”

Minha mãe explodiu de volta, jogando garrafas térmicas em Brian. Uma delas atingiu o rosto dele e o café manchou toda sua camisa. Não estava quente o suficiente para queimá-lo, mas ele gritou do mesmo jeito.

“Cala a boca, você nem está machucado.”

Brian fez um bico e resmungou até o fim do caminho.

Quando chegamos à escola, pulamos os dois para fora do carro.

“Ei,” Minha mãe disse e deu uma camiseta que estava no porta-malas a ele, e enquanto ele trocava de roupa, ela disse: “Me desculpe Brian. Mas você não deve falar comigo daquele jeito.” Ele acenou com a cabeça, ainda havia lágrimas em seus olhos, e depois de um momento, correu para a escola.

“Tchau mãe, te amo.” Eu disse e ela acenou, com os olhos cheios de lágrimas também.

Eu sei que minha mãe se sentia mal quando explodia daquele jeito; ela ficava com bastante raiva ás vezes. Talvez, se ela conseguisse controlar o temperamento Brian ainda estivesse aqui… Mas mesmo assim, se eu também tivesse feito algumas coisas diferentes, Brian ainda estaria aqui.

Quando ela foi nos buscar, parecia outra pessoa. Comprou o sanduíche favorito do Brian e até mudou o trajeto de volta para passar na padaria e comprar nossos cupcakes favoritos. Brian parecia bastante contente, mas comeu em silêncio enquanto nos sentávamos no sofá para assistir o filme favorito dele… Aquele sobre o peixe perdido.

Minha mãe dormiu no sofá e Brian sussurrou para mim alguns momentos depois, me chamando até o quarto dele.

“Anna, minha anja disse que ela pode fazer com que eu nunca mais me machuque de novo.”

“Brian, não começa com isso de novo!”

“Por favor, Anna. Escuta!” Ele implorou. “Não quero ficar mais triste, não gosto quando a mamãe fica malvada, a anja disse que ela pode fazer com que a mamãe nunca mais fique malvada e com que eu nunca mais fique triste! Eu quero que ela faça com você também! Ela disse que pode, disse que você ainda é inocente o suficiente pra isso.”

“E para onde nós vamos?”

O rosto dele se iluminou de alegria. “Algum lugar lindo, e não é como se nós nunca mais fossemos ver a mamãe novamente! A anja prometeu.”

“Parece que você está falando do céu, nós não podemos simplesmente ir para o céu, Brian. Temos que morrer primeiro.”

“Anna…” Ele disse rolando os olhos. “CLARO que nós não vamos morrer, minha anja disse isso!”

“Ah ta, e como você pode acreditar em tudo que ela diz?” Eu disse sarcasticamente. “Você “apenas sabe” né? Ou “pode sentir na sua alma” ou “leu nos olhos dela?”

“Não,” Ele disse sério. “Ela não tem olhos.”

Eu me afastei e rolei meus olhos. “Ok, chega, Brian. Anjos têm olhos, vai dormir.”

“Não esse tipo de anjos, eles usam o coração para enxergar, assim como nósdeveríamos ser!”

Eu não respondi nada, claramente assustada com a resposta e ele me empurrou lentamente e disse: “Eu vou essa noite, vou te acordar quando ela estiver aqui.”

E ele me acordou mesmo naquela noite, e eu o ignorei, achando que ele estava apenas brincando comigo e que logo voltaria a dormir. Mas uma hora depois eu ouvi minha mãe gritar e a porta bater fortemente.

Eu a encontrei perto da porta, chorando descontroladamente. Havia um carro perto da nossa casa, e Brian estava deitado no meio da rua, exatamente onde nosso cachorro havia morrido.

Eu… Nem vou tentar descrever, eu tenho certeza de que você já viu um cachorro ou gato morto na rua antes, todo esticado e sujo e inchado em alguns lugares, sangrando por toda parte.

Bom, foi assim que meu irmão ficou.

Um motorista bêbado o atingiu, foi preso, e meu irmão foi enterrado dois dias depois.

O padre no funeral dele falava sobre paraíso, ele falava sobre como as garotas e garotos iam pra lá. Como nunca sofriam ou se machucavam ou sentiam dor, e falava que eles na verdade não estavam realmente mortos, mas vivos em nossos corações.

Não sei o que teria acontecido se eu tivesse saído da cama naquela noite, não sei se conseguiria fazer com que ele não fosse lá fora, não sei se eu poderia evitar que eu mesma fosse lá fora, mas eu queria poder esquecer isso, tudo isso. Queria esquecer a luz branca no meu rosto enquanto ele falava comigo naquela noite, tinha que ser uma lanterna, não pode ter sido outra coisa! Sempre que eu tento lembrar daquilo, posso ver um nariz, e uma boca meio avermelhada… Mas nunca os olhos.

Eu não me lembro de ter visto olhos.

AUTOR: noitesinistra

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